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A natureza jurídica da atividade do Delegado de Polícia

por Editoria Delegados

Por Yan Rêgo Brayner

O art. 144, §6º da Constituição Federal atribui à Polícia Civil às funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. Mutatis mutandis, no âmbito federal estas funções são exercidas pela Polícia Federal.

Em nível infraconstitucional, a Lei nº 12.830/13 dispões sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia. O artigo 2º do mencionado diploma legal assevera de forma clara que as funções exercidas pelo Delegado de Polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado, verbis:

Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

 

Por sua vez, o art. 3ª da Lei nº 12.830/13 destaca que o cargo de Delegado de Polícia é privativo de bacharel em Direito, bem como lhes confere o mesmo tratamento protocolar dos magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.

Algumas Constituições Estaduais trazem em seu bojo dispositivos semelhantes. Como exemplo, cabe transcrever o art. 160, §1º, da Constituição do Estado do Piauí:

Art. 160. O Estatuto da Polícia Civil disporá sobre:

(…)

 

1º O cargo de delegado de polícia constitui uma das carreiras jurídicas do Poder Executivo do Estadoe será estruturado em quadro próprio

 

Contudo, por razões escusas, alguns juristas incautos insistem em questionar o caráter jurídico da carreira de Delegado de Polícia, inclusive, de modo equivocado, citam decisões do Supremo Tribunal Federal como fundamentos para tal ilação. Como será demonstrado, é acachapante que o Delegado de Polícia exerce função jurídica, essencial e exclusiva de Estado, se posicionar de forma contrária é cegueira deliberada ou desconhecimento ululante.

Mesmo diante deste arcabouço legal, existe quem queira negar o óbvio. E, neste caso, negar o óbvio é ignorar a presunção de constitucionalidade das leis e demais atos normativos estatais, que devem ser considerados constitucionais, válidos e legítimos até que venham a ser formalmente declarados inconstitucionais por um órgão competente para desempenhar esse mister.

Insta consignar, ainda, que essa interpretação incabida da natureza jurídica da atividade do Delegado de Polícia pode ser considerada até mesmo uma afronta aos princípios democráticos e republicanos, pois em um Estado democrático e republicano, como o nosso, o povo tem exatamente as leis que deseja, posto que são elaboradas em seu nome, pelos seus representantes, para tanto eleitos.

Pontua-se, ainda, cabe ao Delegado de Polícia não apenas avaliar qual a técnica policial adequada na instrução da investigação criminal, mas ponderar acerca de questões jurídicas. Em fase pré-processual, o Delegado de Polícia pode formular uma gama de representações, desde medidas cautelares  mais rotineiras (ex: aplicação de medidas protetivas de urgências previstas na Lei Maria da Penha, prisões cautelares e medidas cautelares diversas da prisão) às mais excepcionais (ex: afastamento dos sigilos bancário, telefônico, fiscal e telemático, sequestro e arresto de bens, ação controlada e infiltração de agentes).

Inclusive, o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela validade do acordo de colaboração premiada firmado pelo Delegado de Polícia. Segundo o Ministro Marco Aurélio, relator da ADI 5508, a formulação de proposta de colaboração premiada pela autoridade policial como meio de obtenção de prova não interfere na atribuição constitucional do Ministério Público de ser titular da ação penal e de decidir sobre o oferecimento da denúncia.[1]

Nesta mesma toada assevera Henrique Hoffman e Gabriel Habib (Hoffmann & Habib, 2019):

O fato da carreira do delegado ser também policial em nada afeta sua juridicidade. Trata-se de órgão policial específico no campo da segurança pública, com cargo responsável por tomar deliberações jurídicas urgentes em sede pré-judicial. A autoridade policial dá a última palavra na seara policial, por meio de decisão de teor jurídico.

 

Contudo, mesmo diante de tantos argumentos ainda são veiculadas matéria noticiando que o Supremo Tribunal Federal se pronunciou acerca da impossibilidade da equiparação da carreira de Delegado às carreiras jurídicas.[2]

A mencionada reportagem, divulgada no site Conjur no dia 10 de setembro de 2019. trata da ADI 5520, que considerou inconstitucional a Emenda Constitucional 61/2012 de Santa Catarina que conferiu status de carreira jurídica, com independência funcional, ao cargo de Delegado de Polícia.

O Pretório Excelso declarou a inconstitucionalidade formal dos dispositivos, por considerar que houve vício na elaboração da norma, especificamente quanto a sua competência. Segundo o STF, por envolver regime jurídico de servidores, a proposta de alteração da Constituição Estadual, seria de inciativa privativa do Governador, chefe do executivo estadual, e, no caso apreciado, a emenda à Constituição paranaense partiu do parlamento estadual.

Consta ainda no voto, que viola materialmente a Constituição Federal normas estaduais que concedam autonomia funcional às Policias Civis, posto que a Carta Magna confere ao chefe do Poder Executivo Estadual a competência e consequente responsabilidade pela estruturação dos órgãos de segurança pública do Estado. Eis trecho do voto que trata do tema:

Portanto, o desenho institucional concebido pelo art. 144 da Constituição Federal para a configuração do aparelho de segurança pública não avaliza soluções legislativas locais calcadas na ideia de governança independente da polícia judiciária.

Para o bem e para o mal, o modelo formatado pelo texto federal atribui ao gestor máximo do Poder Executivo local a prerrogativa (e a correspectiva responsabilidade) pela estruturação dos órgãos locais de segurança pública, pelo seu planejamento operacional e também pela definição do grau de prioridade que os programas e ações governamentais a ela relacionados devam ter dentro do esquadro orçamentário do respectivo Estado-Membro.

Assim, embora os atos normativos sob consideração não cheguem a tratar explicitamente de autonomia, é importante fazer o registro de que eventual interpretação nesse sentido também seria inconstitucional do ponto de vista material, pelas razões declinadas acima.

A despeito de questionável esta conclusão acerca da independência funcional da Polícia Judiciária, o pano de fundo da discussão não foi acerca da juridicidade da carreira de Delegado de Polícia, que em nenhum trecho do voto foi questionada.

Por fim, cumpre ressaltar que todo e qualquer debate acerca da natureza jurídica da carreira de Delegado de Polícia deve ser sepultado, quem conhece o mínimo das atividades desenvolvidas dentro de uma Delegacia de Polícia sabe que é demasiadamente exigido da Autoridade Policial conhecimento jurídico para conduzir investigações criminais e garantir os direitos fundamentais não só das vítimas e das testemunhas, mas também dos investigados.

Referência

Bonfim, E. M. (2011). Curso de Processo Penal.São Paulo: Saraiva.

Hoffmann, H., & Habib, G. (19 de Setembro de 2019). Fonte: Consultor Jurídico: https://www.conjur.com.br/2019-set-10/hoffmann-habibcarreira-delegado-policia-continua-sendo-juridica

Mendes, G. F. (1999). Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: 2ª edição.São Paulo: Celso Bastos Editor.

Távora, N., & Antonni, R. (2012). Curso de Direito Processual Penal: 7ª edição.Salvador: Juspodivm.

[1]http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=382031

[2]https://www.conjur.com.br/2019-set-09/carreira-delegado-nao-equiparada-carreiras-juridicas

 

Sobre o autor

Yan Rêgo Brayner – Delegado de Polícia Civil do Estado do Piauí e Especialista em Ciências Criminais.

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