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Requisição de dados cadastrais em aplicativos de transportes de passageiros como o UBER

por Editoria Delegados

Por Alesandro Gonçalves Barreto

 

TÍTULO ORIGINAL:

INVESTIGAÇÃO POLICIAL: REQUISIÇÃO DE DADOS CADASTRAIS PERANTE APLICATIVOS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS – ANÁLISE DO APP UBER

 

Alesandro Gonçalves Barreto[1]

 

 

INTRODUÇÃO

 

As inovações tecnológicas têm redimensionado a tarefa de investigar crimes. Longes são os tempos em que, para elucidar a autoria delitiva, o investigador necessitava apenas do cumprimento de ordens de missão para localizar testemunhas.

           

A investigação policial não deve, todavia, permanecer estanque em razão da imensa quantidade de dados produzida por cada usuário no dia a dia, especialmente quando acessa a Internet através de dispositivos móveis.

 

Nesse diapasão, podemos citar os serviços utilizados para transporte de passageiros como portadores de eventuais, porém cruciais evidências para individualização de autoria e materialidade delitiva na persecução penal.

 

 

1.0 DA POSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO DE ELEMENTOS INFORMATIVOS

            

Ao inscrever-se no serviço, o usuário preenche um cadastro prévio onde fornece elementos sobre: nome, telefone de contato, conta de email, fotografia, cartão de crédito vinculado. Ademais, informações detalhadas dos percursos, tais como: itinerário da viagem, local de embarque e desembarque, direção, localização de dados gps, além dos nomes do passageiro e do respectivo condutor.

           

O fornecimento desses dados poderá trazer, por oportuno, elementos esclarecedores na investigação de um determinado crime. Imaginemos, verbi gratia, diligências visando identificar a rotina da vítima e/ou do principal suspeito na apuração de um crime de homicídio. Havendo a entrega de conteúdo por parte das empresas responsáveis, o investigador poderá encontrar elementos indicadores da rotina do investigado naquele dia, negando ou confirmando eventuais álibis ora apresentados.

 

Outro exemplo que poderíamos mencionar seria o caso de apreensão de aparelho da vítima ou do investigado. Identificando-se a existência de aplicativo de transporte de passageiros, caberá ao investigador diligenciar para obtenção de dados individualizadores daquele usuário.

 

À vista disso, é dever do delegado de polícia oficiar diretamente à empresa prestadora do serviço de transporte de passageiros solicitando as informações cadastrais do usuário ou motorista. Para tanto, existem vários diplomas legais autorizadores dessa requisição. Além do Marco Civil da Internet, que estabelece a possibilidade de “acesso aos dados cadastrais que informem qualificação pessoal, filiação e endereço”, podem ser utilizados os seguintes:

 

  1. Lei que dispões sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia[i]:
  2. Lei dos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores[ii];
  3. Lei que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção de prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal[iii];
  4. Lei que dispõe sobre a prevenção ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas[iv];

 

De mais a mais, a autoridade policial deve ficar atenta para o prazo de armazenamento desses dados por parte da empresa fornecedora do serviço. Muito embora sejam enquadradas como aplicações de Internet[v] e tenham o dever de armazenar os registros de acesso pelo prazo de até 06(seis) meses, eventualmente, uma ou outra empresa guarde por tempo menor, causando prejuízos à investigação em andamento. Recomenda-se, por oportuno, a expedição de ofício solicitando a preservação do conteúdo[vi].

 

A leitura da política de privacidade da plataforma é indicada antes de solicitação por parte da autoridade policial. De quando em vez, a transparência na exposição do conteúdo é regra no tratamento das informações do usuário, nada impedindo que a empresa demandada informe ao usuário a existência de pedido de informações a seu respeito, em razão de investigação policial em andamento. Para evitar tamanho prejuízo, recomenda-se colocar no corpo do ofício a determinação do sigilo, advertindo de não comunicar a existência da solicitação dos dados.

 

De resto, nos casos em que os dados solicitados estejam protegidos por sigilo, deve-se representar judicialmente para sua obtenção. Todavia, recomenda-se oficiar previamente para preservação desse conteúdo visando garantir o recebimento dessas evidências após o envio de ordem judicial à empresa.

 

A partir do recebimento dessas informações, caberá a autoridade policial determinar a expedição de ordem de missão, complementando os dados obtidos-(telefone vinculado, CPF, e-mail vinculado, dentre outros) com outras fontes de dados disponíveis, sejam abertas ou fechadas.

 

 

2.0 DA POLÍTICA DE PRIVACIDADE DOS APLICATIVOS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS

 

A utilização de aplicativos de passageiros tem crescido exponencialmente. Dentre os serviços utilizados iremos fazer uma explanação sobre a política de privacidade do UBER. Não nos compete, entretanto, fazer uma abordagem de todos os termos existentes, eis que a metodologia aplicada servirá de parâmetro para locais distintos. Sublinhe-se, todavia, que a solicitação de dados a essas empresas deve ter caráter de excepcionalidade, restringindo-se a necessidade de investigações em andamento.

 

A requisição de dados cadastrais diretamente às aplicações de internet deverá especificar: diploma legislativo autorizador da solicitação; quais tipos de informações são buscados; nome, função e matrícula da autoridade solicitante; endereço de email institucional e telefone para contato. Não serão aceitos, todavia, pedidos genéricos de dados cadastrais[vii].

           

Uma leitura detalhada da política de privacidade aponta-nos quais dados essas empresas recolhem e em quais condições irão fornecê-los.

 

  1. 1 DA POLÍTICA DO UBER SOBRE FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES

 

A Uber é uma empresa de tecnologia que conecta serviços de transporte entre prestadores independentes e usuários. Ao se cadastrar, o usuário fornece informações sobre número de telefone, endereço de e-mail, nome, data de início e encerramento da conta Uber, endereço de registro de protocolo de Internet[viii], status, avaliação, forma de pagamento, comunicações com o serviço de atendimento ao cliente e fotografia. Os dados dos motoristas parceiros coletados pela empresa são do veículo, endereço, o nome do motorista principal a quem está vinculado (se houver), informações sobre seguro, contratos, algumas comunicações entre motoristas e usuários, e alguns dados de localização de GPS.

 

Ademais, na política de diretrizes da empresa para autoridades policiais e/ou judiciárias, a empresa poderá fornecer informações detalhadas sobre a viagem, passageiro e condutor, dia e hora, locais de embarque e desembarque, roteiro, distância, duração e métodos de pagamento[ix].

 

Dentre as condições para o fornecimento de dados, há necessidade de pontuar no ofício requisitório de que o fato sob investigação deve ser considerado crime no mesmo país da sede da empresa e, ainda, ter sido praticado na circunscrição da autoridade solicitante[x].

 

Nos casos excepcionais em que usuários, motorista ou terceiros estejam risco de vida, danos físicos ou atividades ilegais em andamento, a empresa possibilita o requerimento direto por email para fazer cessar a situação de emergência[xi].

  

CONCLUSÃO

 

A investigação policial não deve ficar adstrita apenas à utilização de procedimentos investigativos tradicionais. É certo que a busca de testemunhas, medidas cautelares, dentre outras são de fundamental importância na elucidação de um delito em apuração.

 

Esses instrumentos de persecução criminal irão persistir, por mais que a relação social se virtualize. Contudo, necessário se faz o alinhamento com novos mecanismos existentes para o bom andamento da persecução penal. Igualmente, não podemos abdicar desse cenário já presente. O criminoso faz uso de novas tecnologias para potencializar a prática dos seus atos, alcançando maior número de vítimas e, via de consequência, auferindo maior lucratividade. O local do crime perpassou do real para o virtual. A autoridade policial deve pensar, a partir de então, na preservação e na busca de evidências de um crime no cenário no ambiente cibernético,caso contrário, incorrerá em consideráveis prejuízos na individualização da autoria e materialidade delitiva.

 

Em suma, cabe-nos agregar valor à investigação policial trazendo dados produzidos pelos usuários na utilização de aplicativos de transporte de passageiros. Todavia, devemos atrelar essas solicitações apenas às investigações em andamento, evitando, por conseguinte, o cometimento de abusos.

 

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BARRETO, Alesandro Gonçalves. BRASIL,Beatriz Silveira. Manual de Investigação Cibernética à Luz do Marco Civil da Internet. BRASPORT Editora. Rio de Janeiro. 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 16. jul. 2017.

______. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 16. jul. 2017.

______. Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9613.htm>. Acesso em: 16. jul. 2017.

______. Lei nº 12830, de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12830.htm>. Acesso em: 16. jul. 2017.

______. Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso em: 16. jul. 2017.

______. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 16. jul. 2017.

UBER. Diretrizes da Uber para Autoridades Policiais/Judiciárias – Fora dos EUA. Disponível em: < https://www.uber.com/legal/data-requests/guidelines-for-law-enforcement-outside-the-united-states/pt/>. Acesso em: 16. jul. 2017.

 

 

[1] Delegado de Polícia Civil do Estado do Piauí e coautor dos livros Investigação Digital em Fontes Abertas e Manual de Investigação Cibernética à Luz do Marco Civil da Internet, ambos da Editora Brasport. Coordenador do Núcleo de Fontes Abertas da Secretaria Extraordinária para Segurança de Grandes Eventos nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. [email protected].

 

[i]Lei 12.830, de 20 de junho de 2013. Art. 2o As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado. 

[ii] Lei 9.613, de 03 de março de 1998. Art. 17-B. A autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito.

[iii] Lei 12.850, de 03 de agosto de 2013. Art. 15. O delegado de polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito

[iv] Código de Processo Penal. “Art. 13-A.Nos crimes previstos nosarts. 148,149e149-A, no§ 3º do art. 158e noart. 159 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e noart. 239 da Lei no8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos. 

Parágrafo único. A requisição, que será atendida no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, conterá: 

I – o nome da autoridade requisitante; 

II – o número do inquérito policial; e 

III – a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação

[v] O conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet

[vi] O UBER preserva os registros por 90(noventa) dias. O email para solicitação de armazenamento do conteúdo é [email protected].

[vii] Art. 11. As autoridades administrativas a que se refere o art. 10, § 3º da Lei nº 12.965, de 2014, indicarão o fundamento legal de competência expressa para o acesso e a motivação para o pedido de acesso aos dados cadastrais.

  • 3Os pedidos de que trata o caput devem especificar os indivíduos cujos dados estão sendo requeridos e as informações desejadas, sendo vedados pedidos coletivos que sejam genéricos ou inespecíficos.

[viii]O código atribuído a um terminal de uma rede para permitir sua identificação, definido segundo parâmetros internacionais

[ix] Guidelines for Law Enforcement Outside The United States

[x] O ofício para solicitação de dados cadastrais deverá ser direcionado à Uber Brasil.

[xi] O formulário de solicitação de emergência está disponível em https://lert.uber.com.

 

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