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Projetos de Lei criminalizando o jogo baleia azul: utilidade para a investigação policial?

por Editoria Delegados

por Alesandro Gonçalves Barreto

por Alesandro Gonçalves Barreto

 

Os avanços tecnológicos possibilitam aos criminosos um maior alcance na prática dos seus atos. Nesse contexto, insere-se o delito de induzimento ao suicídio relacionados ao jogo “Baleia Azul”. Para inibir essa prática, parlamentares apresentaram projetos de lei. Procuraremos, então, fazer a análise dessas proposições e o que podem impulsionar na apuração do fato criminoso.

 

Palavras-chave: Baleia Azul; Induzimento; Projeto de Lei.

 

INTRODUÇÃO

 

A partir de abril de 2017, a mídia passou a noticiar fatos preocupantes relacionados ao jogo da baleia azul. Segundo “as regras”, o participante é convidado para integrar o jogo através de grupos fechados em redes sociais e aplicativos de troca de mensagens, devendo, para tanto, cumprir 50 (cinquenta) tarefas, dentre as quais mutilações e, por fim, praticar suicídio.

 

Para coibir essa prática criminosa, deputados federais apresentaram projetos de lei visando reprimir sua propagação. Dentre os projetos citados podemos mencionar:

 

PL nº 7047/2017, de autoria do dep. Vitor Valim: proíbe o desenvolvimento, comercialização e disponibilização de softwares, aplicativos ou jogos que promovam ou incentivem desafios de tortura ou suicídio;

PL nº 7430/2017, de autoria do dep. Áureo SD/RJ: propõe alteração dos arts. 122 e 132 do Código Penal Brasileiro, estabelecendo a incidência de crime de perigo para a vida ou saúde de outrem sobre a conduta de induzir ou instigar, por disseminação em meios informáticos, eletrônicos, digitais ou comunicação em massa, a automutilação ou outros perigos de vida e saúde e determinar aumento de pena para o induzimento ao suicídio com utilização desses meios;

PL nº 7441/2017, de autoria do dep. Fábio Sousa PSDB/GO: aventa a inclusão, como causa de aumento de pena, o induzimento ao suicídio através da rede mundial de computadores;

PL nº 7460/2017, de autoria da dep. Leandre Dal Ponte PV/PR: obriga provedores de aplicações de internet a retirarem conteúdos que promovam lesão contra a própria pessoa, automutilação, exposição à situação de risco de vida ou tentativa de suicídio. Recomenda, ainda, a modificação do Estatuto da Criança e do Adolescente para tipificar o crime de indução à lesão contra a própria pessoa, automutilação, exposição à situação de risco de vida ou tentativa de suicídio, quando as vítimas forem crianças ou adolescentes;

PL 7506/2017, de autoria da dep. Flávia Morais PDT/GO: sugere a alteração do tipo penal Induzimento ou Instigação ao Suicídio para alcançar também a automutilação.

PL 7538/2017, de autoria da dep. Flávia Morais PDT/GO, apresentado em 26 abr. 2017: visa modificar o art. 122 do Código Penal Brasileiro.

Este artigo, então, tem o objetivo de fazer análise sobre a necessidade da apresentação dos projetos de lei e o auxílio na persecução criminal.

 

1 O IMEDIATISMO DOS PROJETOS DE LEI

 

Os projetos de lei ora apresentados visam, em sua grande maioria, criminalizar o induzimento ao suicídio ou agravamento de pena quando cometidos através de meios informáticos. Apenas o PL nº 7460/2017 pretende modificação no ECA e ainda obriga aos provedores a retirada de conteúdos que promovam automutilação, exposição à situação de risco ou tentativa de suicídio.

 

Sublinhe-se, por conseguinte, que as aplicações de Internet, especialmente as redes sociais, já garantem mecanismos de retirada de conteúdo aos usuários, independentemente de ordem judicial. Essas denúncias de automutilação, por exemplo, podem ser feitas diretamente na rede social em que foi postado o material ofensivo[i]. Ainda que o responsável pela hospedagem do conteúdo não remova o conteúdo quando notificado, o Marco Civil da Internet já garante mecanismos para responsabilizar civilmente nos casos de conteúdo gerado por terceiro[ii].

 

Apesar de preocupante, a popularização do jogo baleia azul é um assunto ainda novo, sendo seu interesse nas ferramentas de busca algo palpitante. Para demonstrar tal assertiva, utilizamos o “Google Trends” apontando a frequência de busca do termo, relacionadas ao “jogo baleia azul” no buscador[iii].

 

 

Trends Baleia Azul – Figura . Tela de Busca do Google Trends para termos “Jogo Baleia Azul” no Brasil nos últimos 90 dias.

 

O gráfico nos demonstra que o termo teve um pico de busca nos últimos 90 (noventa) dias de 2017[iv], período no qual apenas um dos projetos não fora motivado pelo jogo baleia azul. Corrobora-se ainda que, passado esse período, há um desinteresse por parte dos internautas em buscar informações sobre os termos relacionados acima.

 

Ressalte-se, por oportuno, que outras consultas podem ser relacionadas com termos semelhantes para saber qual o interesse do internauta por determinado assunto. A consulta, no Google Trends, ainda aponta os termos relacionados como, por exemplo, jogo da baleia azul, jogo da baleia etc.

 

O imediatismo e casuísmo não podem pautar a apresentação de projetos de lei, posto que a criminalização de uma conduta não desestimula, em tese, a sua prática[v]. Outrossim, em que pese os PLs terem sido apresentados num curtíssimo espaço de tempo, todos já foram apensados a projetos anteriores que já tratavam da mesma matéria.

 

De mais a mais, é praticamente impossível legislar visando ao acompanhamento de inovações tecnológicas. Um projeto de lei, por mais rápido que trâmite nas casas legislativas, demora anos até sua entrada em vigor. Em contrapartida, a criação de novas tecnologias ocorre a todo instante, dificultando, por vezes, o acompanhamento até mesmo pelos usuários. Presentemente, temos o fenômeno baleia azul. Porvindouro, dificilmente saberemos o que virá de avanços e de como os criminosos utilizarão essas inovações para aperfeiçoar suas praticas delitivas.

 

Outro ponto que merece destaque é o fato de se querer, através de um projeto de lei, proibir serviços à tortura ou à automutilação e/ou políticas públicas. No caso do jogo baleia azul, os aplicativos ou redes sociais utilizados têm, na sua essência, a prática de atividades lícitas; não obstante, foram desvirtuados pelos criminosos para potencializar seus atos. Nas situações em que o serviço fora criado para fins ilícitos, decisões judiciais foram exaradas determinando a exclusão do serviço[vi].

 

Ademais, a legislação pátria já tipifica o crime de induzimento ou instigação ao suicídio no art. 122 do Código Penal Pátrio[vii]. Não há necessidade, pois, de frisar nos projetos que o crime foi cometido através de meios informáticos, eletrônicos ou qualquer outro meio de comunicação em massa.

 

CONCLUSÃO

Não há necessidade, pois, de se especificar em lei o meio Internet para o crime de induzimento ou instigação ao suicídio cometido em redes sociais ou aplicativos de mensagens instantâneas. Devemos ter, no entanto, mecanismos garantidores para a individualização da autoria e materialidade delitivas.

 

Ao fazer uso de redes sociais ou aplicativos de troca de mensagens para induzir alguém a participar de um jogo para no fim praticar suicídio, o criminoso, ao se logar na aplicação de Internet, deixa lá armazenado os registros de acesso. Esses dados são de fundamental importância para se chegar ao local de onde partiu a conexão, individualizando autoria e materialidade delitiva. Todavia, a polícia encontra dificuldades na obtenção desses protocolos de Internet[viii] por parte dos provedores responsáveis pelo serviço.

 

Alegando dificuldades técnicas ou simplesmente negando o fornecimento de dados sob o pretexto de absoluta privacidade do usuário, a persecução criminal está sendo, de sobremaneira, prejudicada.

 

Muito embora o Marco Civil determine o respeito à legislação brasileira para as pessoas jurídicas sediadas no exterior que ofertam serviço ao público brasileiro[ix], o que vemos é um descumprimento reiterado de decisões judiciais, negando, veementemente, o fornecimento de informações para os órgãos de persecução criminal.

 

À vista disso e sem essas informações, a atividade investigativa não prosperará. Não há como se chegar à autoria por outros caminhos. O que se precisa é a garantia de mecanismos para que essas empresas detentoras do serviço forneçam os registros de atividades criminosas e não assegurem ao infrator um terreno fértil e livre para a prática dos seus atos ilícitos.

 

Por fim, cabe-nos lembrar que a tecnologia não criou o delito de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio. O criminoso apenas utiliza as ferramentas tecnológicas disponíveis para aperfeiçoar sua prática.

 

REFERÊNCIAS

 

BARRETO, Alesandro Gonçalves. BRASIL, Beatriz Silveira. Manual de Investigação Cibernética à Luz do Marco Civil da Internet. Rio de Janeiro: Ed. Brasport, 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 12 jun. 2017.

______. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 12 jun. 2017.

______. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 12 jun. 2017.

______. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp105.htm>. Acesso em: 12 jun. 2017.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 7047/2017, de 08 mar. 2017. Autoria do Deputado Vítor Valim PMDB/CE. Proíbe o desenvolvimento, a comercialização e a disponibilização na internet de softwares, aplicativos ou jogos que promovam ou incentivem desafios de tortura ou suicídio. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2124756>. Acesso em: 12 jun. 2017.

______. Projeto de Lei nº 7340/2017, de 18 abr. 2017. Autoria do Deputado Áureo SD/RJ. Altera os artigos 122 e 132 do Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal), para estabelecer incidência do crime de perigo para a vida ou saúde de outrem sobre a conduta de induzir ou instigar, por disseminação em meios informáticos, eletrônicos, digitais ou comunicação em massa, a automutilação ou outros perigos de vida e saúde e determinar aumento de pena para o induzimento ao suicídio com utilização desses meios. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2128789 >. Acesso em: 12 jun. 2017.

______. Projeto de Lei nº 7441/2017, de 19 abr. 2017. Autoria do Deputado Fábio Sousa PSDB/GO. Altera o art. 122, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, que instituiu o Código Penal Brasileiro, para incluir como causa de aumento de pena o induzimento ao suicídio através da rede mundial de computadores. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2130006 >. Acesso em: 12 jun. 2017.

______. Projeto de Lei nº 7460/2017, de 24 de abr. 2017. Autoria da Deputada Leandre Dal Ponte PV/PR. Altera a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, para obrigar provedores de aplicações de internet[x] a retirarem conteúdos que promovam lesão contra a própria pessoa, automutilação, exposição à situação de risco de vida ou tentativa de suicídio, e a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, para tipificar o crime de indução à lesão contra a própria pessoa, automutilação, exposição à situação de risco de vida ou tentativa de suicídio, quando as vítimas forem crianças ou adolescentes Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2130553&ord=1 >. Acesso em: 12 jun. 2017.

______. Projeto de Lei nº 7506/2017, de 26 abr. 2017. Autoria da Deputada Flávia Morais PDT/GO. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código-Penal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2132435>. Acesso em: 12 jun. 2017.

______. Projeto de Lei nº 7538/2017, de 26 abr. 2017. Autoria da Deputada Flávia Morais PDT/GO. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código-Penal, e dá outras providências. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código-Penal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2132825 >. Acesso em: 12 jun. 2017.

WENDT, Emerson. Internet & Direito Penal. Risco e Cultura do Medo. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2016.

 

[i] No Facebook a denúncia de automutilação ou de fatos relacionados a suicídio pode ser feito através do link https://pt-br.facebook.com/help/contact/305410456169423, apontando o nome o e o perfil de quem o publicou. As denúncias do Instagram podem ser feitas pelo mesmo canal do Facebook. O Twitter possui um canal para receber as notificações através do link https://support.twitter.com/forms/suicide.

 

[ii] Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

 

[iii] Disponível em www.google.com/trends.

 

[iv] Pesquisa realizada em 22 de junho de 2017.

 

[v] Vide WENDT, Emerson. Internet & Direito Penal. Risco e Cultura do Medo. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2016.

 

[vi] A aplicação Tudo Sobre Todos disponibilizava, a quem pagasse, informações cadastrais de brasileiros, incluindo CPF, endereço completo e informações sobre vizinhos. A empresa responsável pelo site estava sediada nas Ilhas Seychelles, os servidores de internet estavam no interior da França, o domínio era sueco e o pagamento era feito em bitcoin. A suspensão do serviço foi a única alternativa para cessar os danos outrora cometidos. Fonte: Cautelar Inominada nº 0805175-58.2015.4.05.8400. 1ª Vara da Justiça Federal do Rio Grande do Norte. O secret era um aplicativo onde havia o compartilhamento de mensagens anônimas por seus usuários dentro de um determinado círculo de amigos. Nesse caso, a ordem judicial determinou às lojas de aplicativos online (Play Store, Apple Store e Microsoft) a retirada do app. Fonte: Proc. nº 0035186-28.2014,8,08.0024. TJES. Terceira Câmara Cível.

 

[vii] Art. 122 – Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:

 

Pena – reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

 

Parágrafo único – A pena é duplicada:

 

Aumento de pena

 

I – se o crime é praticado por motivo egoístico;

 

II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência

 

[viii] O código atribuído a um terminal de uma rede para permitir sua identificação, definido segundo parâmetros internacionais.

 

[ix] Art. 11. Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.

 

1º O disposto no caput aplica-se aos dados coletados em território nacional e ao conteúdo das comunicações, desde que pelo menos um dos terminais esteja localizado no Brasil.

2º O disposto no caput aplica-se mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil.

[x] O conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet.

 

* Alesandro Gonçalves Barreto é Delegado de Polícia Civil do Estado do Piauí e coautor dos livros Investigação Digital em Fontes Abertas e Manual de Investigação Cibernética à Luz do Marco Civil da Internet, ambos da Editora Brasport. Coordenador do Núcleo de Fontes Abertas da Secretaria Extraordinária para Segurança de Grandes Eventos nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. Colaborador Eventual da Secretaria Nacional de Segurança Pública. [email protected].

 

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