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“O que as polícias acham de Bolsonaro”; representantes da UPB se manifestam

por Editoria Delegados

A pedido de ÉPOCA, o instituto de pesquisa Atlas fez um levantamento para medir o grau de apoio e rejeição a Bolsonaro na Polícia Civil, na Polícia Militar (PM) e na Polícia Federal (PF) em todo o país

A pedido de ÉPOCA, o instituto de pesquisa Atlas fez um levantamento para medir o grau de apoio e rejeição a Bolsonaro na Polícia Civil, na Polícia Militar (PM) e na Polícia Federal (PF) em todo o país. A amostra contou com 521 entrevistas, das quais 302 com PMs, 116 com policiais civis e 103 com policiais federais. A coleta on-line se deu entre 26 de março e 4 de abril, o que inclui o dia em que Anderson Torres, delegado da PF, foi indicado para chefiar o Ministério da Justiça. A margem de erro é de 4%, para mais ou para menos, e o intervalo de confiança é de 95%.

No retrato tirado pela pesquisa, fica claro que a Polícia Civil foi a que percentualmente menos apoiou o então candidato do PSL nas urnas em 2018 e hoje é a mais crítica. Entre os entrevistados que se declararam policiais civis, 53% disseram ter votado em Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018 e, desse total, a maioria, ou 61%, diz hoje estar arrependida. Em termos de erosão de apoio, o segundo grupo é o da PF. Em 2018, 61% optaram por Bolsonaro. Desses, um percentual nada desprezível, 38%, mostra arrependimento.

Na comparação com policiais civis e federais, os PMs são um caso à parte. Foram os que mais teclaram 17 nas urnas eletrônicas em 2018 e, atualmente, dizem, em sua maioria, não estar arrependidos do voto. Pelos números da pesquisa, 71% declaram ter escolhido Bolsonaro no segundo turno e, desse total, 81% dizem que continuam hoje contentes com a opção que fizeram. Meros 17% afirmam ter arrependimentos. Quando os entrevistados avaliam o governo Bolsonaro, os resultados repetem as distinções entre as três polícias, com os civis mais negativos. A atual administração é ruim ou péssima para 62% dos civis, 49% dos federais e 35% dos PMs.

Para Andrei Roman, diretor do Atlas, a rivalidade entre as polícias Civil e Militar é um dos fatores que ajudam a explicar a diferença nas avaliações. O fato de os policiais militares terem sido uma base sólida para o bolsonarismo, disse Roman, contribui para alienar as outras categorias, principalmente a dos policiais civis. “O caminho dos civis segue a tendência de queda do Bolsonaro dentro do público mais escolarizado. Em 2018, a maior fortaleza do Bolsonaro era entre os mais ricos e os mais educados. Hoje, a base de apoio dele está migrando cada vez mais para o público com menos anos de educação”, disse Roman, que tem doutorado em ciência política pela Universidade Harvard.

Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, sustenta que a diferença de apoio a Bolsonaro entre os setores civil e militar da polícia tem razões sociológicas. O policial militar, segundo Lima, é recrutado de um estrato diferente da sociedade, mais religioso e conservador. Essa segmentação levaria a um diferente nível educacional e de costumes. “Boa parte das polícias civis tem exigido diploma de curso superior nos concursos. Elas não adotam a militarização e têm uma cultura organizacional mais flexível, que permite a discordância política. É um perfil de pessoa diferente do policial militar, que é muito influenciado por uma dimensão evangélica neopentecostal. Isso explica por que as bases policiais militares são mais bolsonaristas”, afirmou.

A crescente animosidade de parte da polícia em relação ao governo tem também explicações econômicas. A palavra “decepção” é recorrente no discurso de representantes de entidades de classe policiais desde a promulgação no Congresso, em 15 de março, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, que estabeleceu uma série de ajustes fiscais como contrapartida para liberar o pagamento do auxílio emergencial. A PEC determinou o congelamento de reajustes salariais a servidores públicos e pode impedir aumentos por até 15 anos, caso as despesas obrigatórias da União ultrapassem 95% do total ou sob decretação de estado de calamidade.

As medidas previstas são obrigatórias para o governo federal e facultativas para estados e municípios. Mas, se não implementarem as restrições, governos estaduais e municipais não poderão obter garantias da União para fazer empréstimos, nem contrair novas dívidas com outro ente da Federação ou renegociar pagamentos. Em resumo, na prática, a PF, de responsabilidade do governo federal, e as PMs e polícias civis, da alçada dos estados, parecem estar todas no mesmo barco. “Isso foi o estopim”, afirmou Rodolfo Laterza, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol). “Ninguém é a favor de cobrar reajuste de um ente federado quebrado, num estado de insolvência fiscal. O problema é que mantiveram os privilégios do Judiciário e cortaram de categorias com remunerações muito mais baixas”, argumentou.

Lideranças sindicais das polícias se referem à PEC Emergencial como a gota d’água. “Obviamente ninguém estava exigindo nenhum tipo de reajuste salarial, mas 15 anos de congelamento é totalmente desproporcional”, disse o secretário-geral da União dos Policiais do Brasil (UPB), Marcos Camargo. A UPB, que congrega 28 entidades da área da segurança pública, como a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) e a Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol), organizou manifestações para criticar o que vê como falta de apoio do governo à defesa de suas demandas. Em 17 de março, policiais protestaram contra o governo pelas ruas de Brasília numa carreata. No dia 22 de março, organizaram uma hora de paralisação, entre as 15 horas e as 16 horas, em frente a delegacias pelo país. As imagens correram as redes sociais e incomodaram o governo. “O Vitor Hugo (líder do PSL na Câmara e aliado de Bolsonaro) veio dizer que estávamos pegando muito pesado. Toda vez que tem protesto ele vem falar com a gente. Deveria ser um ministro”, afirmou Tania Prado, presidente da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Fenadepol).

Presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, conhecida popularmente como “bancada da bala”, o deputado Capitão Augusto (PL-SP) faz coro às críticas. “A eleição do Bolsonaro gerou uma enorme expectativa na gente. Pela primeira vez, elegíamos um deputado oriundo da bancada da bala. A gente esperava que pudesse reparar tudo que perdemos com presidentes anteriores. Mas o que aconteceu foi um efeito reverso. O presidente nunca se reuniu com nossa bancada.”

Em São Paulo, o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) aproveitou a manifestação do dia 22 para pedir ao governo estadual a inclusão de agentes de segurança pública entre os grupos prioritários de vacinação. A categoria reivindicava havia meses sua inclusão no Plano Nacional de Imunização, mas o governo federal ainda não tinha tomado uma decisão. “Os policiais não pararam de trabalhar desde o começo da pandemia e, mesmo assim, não tínhamos sido classificados como categorias essenciais. Tem mais policiais mortos por Covid-19 do que em confronto”, disse Raquel Gallinati, presidente do Sindpesp.

Na esfera estadual, o protesto surtiu um efeito quase imediato. Dois dias depois do pedido, o governador João Doria (PSDB) anunciou que policiais e professores começariam a ser vacinados no estado a partir de 5 de abril. Cerca de 180 mil devem ser imunizados, incluindo agentes da guarda civil, das polícias Militar, Civil e Científica e da Escolta Penitenciária. O governador garantiu vacina ainda para agentes federais que atuam no estado. Antes do final de março, o Ministério da Saúde, sentindo-se sob pressão pela decisão de Doria, determinou a antecipação da vacinação da categoria em todo o país.

Para as principais associações e sindicatos das polícias Civil e Federal, a relação com o governo começou a ser esgarçada em 2019, com a reforma da Previdência. Os policiais civis e os federais se sentiram jogados ao relento ao ver o governo incluir os PMs e os bombeiros na reforma das Forças Armadas, que teve mudanças mais vantajosas. Originalmente, o governo havia apresentado uma PEC mais ampla, que incluía mudanças nos critérios de aposentadoria também para servidores estaduais. O texto foi derrubado diante da resistência na Câmara, e estados foram obrigados a fazer suas próprias reformas. Integrantes da Polícia Civil, que é de âmbito estadual, se queixam de ter ficado à mercê de reformas mais duras, enquanto a PM, também de responsabilidade dos estados, seguiu as regras dos militares.

O acolhimento de Bolsonaro à demanda da PM acirrou ânimos que nunca foram amenos entre as diferentes corporações, com carreiras e regras próprias. Arthur Trindade, ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e professor de sociologia da Universidade de Brasília (UnB), faz uma analogia para essa relação conflituosa: “As polícias são como irmãs. Se você coloca dois dedos de Coca-Cola para uma, precisa colocar dois dedos de Coca-Cola para a outra, senão dá briga. O problema é que o Bolsonaro prometeu rios de mel para os policiais, mas a Polícia Civil ainda não ganhou nada”, afirmou ele.

Nos dois primeiros anos de mandato, o presidente participou de 24 formaturas de militares e de policiais, segundo levantamento do jornal O GLOBO. Do total de eventos, 16 foram das Forças Armadas e oito de polícias, mas nenhum da Polícia Civil. Bolsonaro “formou” três turmas da PM (no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Goiás), outras três da PF (todas em Brasília) e duas da Polícia Rodoviária Federal (em Florianópolis).

Num movimento que parece ter sido motivado para apaziguar os ânimos, Bolsonaro deu posse ao delegado Anderson Torres no Ministério da Justiça no dia 6 de abril. No mesmo dia, Torres anunciou como novo diretor-geral da PF o nome de Paulo Maiurino, um dos quadros da corporação mais próximos da política. No entanto, para alguns dirigentes sindicais, a nomeação de Torres não deverá apagar o rastro de desconfiança que a queda de Sergio Moro do Ministério da Justiça deixou no ano passado. Moro saiu acusando o presidente de tentar interferir politicamente na PF, o que levou a uma investigação no Supremo Tribunal Federal. É por essa e por outras que Torres e Maiurino terão de provar no dia a dia se respeitarão ou não a independência da PF.

Mesmo com todos esses ressentimentos, Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, acredita que ainda há tempo para que Bolsonaro reverta a insatisfação existente nas polícias Civil e Federal e impeça um rompimento antes das eleições presidenciais do ano que vem. De acordo com os dados da pesquisa Atlas sobre a disputa eleitoral de 2022, o maior contingente de policiais civis (43%) é a favor de Luiz Inácio Lula da Silva, com Bolsonaro em segundo lugar (30%) e Moro depois (com 12%). Já entre os policiais federais, Bolsonaro aparece na frente, com 46% das intenções de voto, seguido por Lula (34%) e Moro (8%). Na PM, de longe a corporação com mais eleitores, Bolsonaro está numa posição muito mais confortável. Sessenta e um por cento dos PMs dizem pretender votar em Bolsonaro em 2022, ante apenas 12% que citam Lula.

Independentemente da vantagem que o presidente exiba na PM, alguns expoentes do bolsonarismo não perdem a chance de tentar politizar as polícias com objetivo claramente eleitoral. Em 28 de março, a morte de um soldado da PM na Bahia após um surto psicótico levou a deputada Bia Kicis (PSL-DF), presidente da Comissão de Constituição e Justiça na Câmara, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) a darem declarações que foram interpretadas como incitação a motim. Por uma rede social, Kicis se referiu ao policial como “soldado herói” por ter se recusado a “cumprir ordens ilegais” do governador Rui Costa (PT) para conter a Covid-19 e “prender trabalhadores”. Dada a repercussão negativa, Kicis acabou apagando o tuíte. Já o filho do presidente postou um vídeo do policial e, na descrição das imagens, escreveu: “Aos vocacionados em combater o crime, prender trabalhador é a maior punição. Esse sistema ditatorial vai mudar”.

Carolina Ricardo, diretora executiva do Instituto Sou da Paz, uma organização não governamental dedicada à área da segurança pública, disse que a forma com que o governo federal tem tratado as polícias contribui para agravar a divisão entre elas. “O presidente está jogando para uma só torcida, de uma determinada polícia. Isso só coloca lenha na fogueira”, afirmou. A motivação, na opinião de Carolina Ricardo, é muito clara: “O que Bolsonaro quer é usar as polícias como base para causar um certo caos. Ele não está, de fato, querendo garantir a ordem e a segurança pública. Ele quer que essas bases o apoiem e, quando se sentir acuado, poder usá-las para assustar os governos estaduais”, completou.

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