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Necropolítica e segurança pública – a grande falácia de Achille Mbembe

por Editoria Delegados

Por Líbero Penello de Carvalho Filho

 

Por Líbero Penello de Carvalho Filho[1]

  1. Introdução

Este não é um texto filosófico inútil para a aplicação prática na segurança pública. Pelo contrário, o texto nos mostra nossa sujeição a um cotidiano ideologizado, politizado, num ambiente que deveria ser puramente técnico e jurídico, comprometendo o equilíbrio social, a vida e a liberdade.

Estamos imersos num ambiente hostil ao combate direto contra injustiças e desigualdade social, se este combate não se dá nos moldes pré-estabelecidos pela “intelligentsia” politicamente correta que se autodeclarou tutora da sociedade moderna.

Em outras palavras, paradoxalmente, o autonomeado establishment-estandarte moral das minorias traz o ódio, a perseguição, a segregação, a divisão, a discórdia e a distorção de valores com seu discurso inflado de um pretenso bom-mocismo.

A noção de necropolítica, criada pelo filósofo Achille Mbembe, nada mais é do que um caminho lógico dentro deste universo paradoxal e oblíquo da inversa moral vigente. Baseando seu entendimento nos conceitos de biopoder e biopolítica de Foucault, Mbembe traz sua ideia do que seria a visão do universo foucaultiano por uma lente que diz ser mais abrangente do que a desse referido universo.

Particularmente, não considero Foucault um dos maiores expoentes filosóficos do século XX, muito menos do século XXI, e acho mesmo que se um filósofo precisa de livros e cursos especiais para explicar e aclarar seus pensamentos, dois erros podem ter ocorrido: ou tais pensamentos são desprovidos de clareza e objetividade ou o filósofo não sabe se expressar a um simples mortal.

É o que ocorre com Foucault. Sem objetividade e concisão, expondo de modo complexo suas complexas ideias, Foucault falha na construção e comunicação do seu pensamento. Quanto mais clara, simples e concisa a ideia, maior a chance de estar certa e de ser difundida e utilizada por todos.


[1]
 Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires – Argentina. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Especialista em Direito e Processo Penal. Delegado da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo. Graduado em Direito. Graduando em Segurança Pública. Graduando em Filosofia. Escritor. Pesquisador. Professor universitário de graduação em Direito, Ciências Políticas e de pós-graduação em Direito e em Gestão Pública. 

Com base no rebuscado universo de Foucault, Mbembe cria uma “necropolítica” como outra visão da biopolítica, numa teoria falaciosa e repleta de falhas questionáveis cientificamente. Não é possível, porém, demonstrar tais falhas sem antes deixar bem claro os conceitos e fundamentos de “biopolítica”, “biopoder” e “necropolítica”, e é o que faremos a seguir.

 

  1. O biopoder e a biopolítica em Foucault

Michel Foucault, juntamente com Sartre, de Beauvoir, Ranciére, Derrida, Deleuze, Stiegler e muitos outros, compõe a plêiade de expoentes da filosofia contemporânea na França. Trouxe importantes aquisições para nossa era, como, por exemplo, a exata noção do significativo momento em que a pena imposta ao criminoso transmudou-se de castigo corporal (torturas) para o castigo da alma (prisão), bem como o marco divisório em que o panóptico de Bentham, que a tudo vigiava na prisão, saltou-lhe os muros, alcançando as ruas e as instituições, nossos micro-universos de relação de poder.

O tema poder-vida-morte não é exclusivo de Foucault e Mbembe, os demais filósofos também trataram dessa tríade onipresente. Ocorre que, enquanto a maioria dos filósofos travava uma batalha existencial entre suas convicções, seus sentimentos e a realidade de suas vidas (no que o suicídio imediato, como o de Deleuze, e o suicídio a conta-gotas, como o fumo desbragado de Sartre, se tornaram práticas visíveis), outros pensadores, num caminho inverso, extraíam de suas vidas práticas fundamentos para muitos de seus pensamentos. Foi o caso de Stiegler.

Cumprindo pena de cinco anos de prisão por assalto a mão armada, Bernard Stiegler descobriu na cadeia a Filosofia. Leu todos os livros que lhe era possível ler naquele ambiente. Tinha uma predileção para tratar filosoficamente do tempo, mas nos últimos anos de vida cuidou de propagar de forma mais concreta sua ideia da necessidade de uma economia política que nos tirasse do antropoceno, período no qual o homem se torna o centro do panorama ambiental e passa a produzir efeitos extremamente deletérios ao meio-ambiente da Terra, destruindo-o mesmo, e a si próprio.

Como eu já disse em outros escritos, quando criei o conceito de “tempos plasmáticos”, desenvolvendo e complementando os “tempos líquidos” de Bauman, enviei este conceito a Stiegler, aduzindo que, frente ao paradoxo de ver sua liquidez, imediatismo, fluidez e pressa presos na eternidade imobilizadora do âmbar das redes sociais, já não vivíamos mais os tempos líquidos de Bauman, que haviam se transformado nos ditos tempos plasmáticos.

Stiegler considerou este meu conceito muito interessante e correto, e apontou para o desenvolvimento desta minha ideia frente ao seu conceito da necessidade desta nova economia política já mencionada. Infelizmente, blindado por alguns assessores autoritários e pouco receptivos a novas idéias, morreu não muito tempo depois, sem que desenvolvêssemos mais o tema.

O fato é que Foucault nos traz o biopoder como um conjunto de mecanismos de controle social nascidos com as instituições disciplinares, bem como o poder estatal. Com estes mecanismos, surgidos entre os séculos XVII e XVIII (segundo Foucault), nasceram também os mecanismos de dominação do indivíduo.

É essencial observar que Foucault não pregava o enfraquecimento do estado, mas tão somente que o estado era o órgão central do poder. Importante ainda salientar que Foucault fazia um comparativo entre o poder de fazer viver (exercido por estes mecanismos disciplinares) e o poder de fazer morrer (o poder do soberano). O poder disciplinar seria um preconizador da vida e do bem-estar.  

Da noção de biopoder podemos extrair a de biopolítica, também de Foucault: em “Segurança, Território e População” (1978) e “Nascimento da Biopolítica” (1979), Foucault busca saber por que meios o poder é exercido e conduz nossas vidas. Como a prática governamental lida com problemas como saúde, natalidade, longevidade etc.

Como já dito, o poder/direito de morte e o poder sobre a vida não são nenhuma novidade, e Foucault deles já tratava no seu curso “Em defesa da sociedade”, proferido no College de France na metade dos anos 70. Foucault, aqui, se baseou em suas aulas ministradas em 1974, e que deram origem ao livro “A verdade e as formas jurídicas” e a seu famoso livro “Vigiar e punir”.

O que se observa claramente é que Foucault desenvolveu a biopolítica como uma espécie do gênero biopoder, ou mesmo um subconceito. O estado deteria o poder disciplinar pró-vida e, paradoxalmente, o poder do soberano, pró-morte, o que nos leva a crer que a necropolítica de Mbembe não é, de modo algum, inovadora e original. Além disso, traz a necropolítica falhas essenciais, que veremos a seguir.

 

  1. A necropolítica de Mbembe

Alguns de nós tratamos do tema do poder-vida-morte sob o ponto de vista metafísico, outros o fazem sob a ótica marxista, e assim por diante. Foucault o faz abordando as relações de poder e a submissão. E Mbembe crê que seu pensamento é científico e catalisador, tanto quanto o de Foucault, porém, na verdade, o ideário de Mbembe é viciado pela ideologia e politização indevidas.

É bem verdade que Mbembe teve a saudável iniciativa de deslocar a discussão do poder-vida-morte foucaultiano do cenário europeu para o africano e sudamericano, incluído no pacote o estudo do colonialismo e imperialismo, mas isto, por si só, não traduz a totalidade de seu pensamento. Para além do deslocamento geográfico, a necropolítica de Mbembe é também uma construção teórico-conceitual, e isto deve ser analisado. 

 

O ensaio de Mbembe 

No seu ensaio denominado “Necropolítica”, datado de 2003, Achille Mbembe nos traz o seguinte intróito:

Este ensaio pressupõe que a expressão máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Por isso, matar ou deixar viver constituem os limites da soberania, seus atributos fundamentais. Exercitar a soberania é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder.

Antes mesmo que qualquer leitor se levante e afirme que este intróito nada mais é do que a repetição dos conceitos de biopoder e biopolítica de Foucault, é o próprio Mbembe quem o confirma, nas duas primeiras linhas de seu texto: “Alguém poderia resumir nos termos acima o que Michel Foucault entende por biopoder: aquele domínio da vida sobre o qual o poder tomou o controle.”

Deste modo, a novidade no ensaio de Mbembe não é esta, mas sim o que ele chama de “circunstâncias práticas” sob as quais se dá o “direito de matar, deixar viver ou expor à morte”, uma abordagem sobre as formas contemporâneas através das quais o político exerce o poder da vida e da morte sobre seu inimigo, formas estas não previstas e tratadas por Foucault.

Como primeiros exemplos destas formas contemporâneas, Mbembe nos fala de guerras, resistência e da luta contra o terror. O problema é que, entre citações de Hegel e Bataille, Mbembe apenas repisa conceitos, sem explicitar claramente sua teoria.

Considerando que antes de Foucault já existiam guerras, genocídio e mesmo terrorismo, o passo lógico seguinte de Mbembe deveria ser o de explicitar a que tipos específicos, diferenciados e contemporâneos de guerras e terror estaria se referindo, mas ele não o faz, preferindo ingressar pela análise da relação entre estado de exceção/estado de sítio e o biopoder.

Mais uma vez, Mbembe peca pela falta de clareza, pois claramente o estado de sítio é uma espécie de estado de exceção, porém Mbembe não trata destes conceitos e muito menos discorre sobre quais seriam as outras espécies de exceção e seus reflexos na relação com o biopoder.

Fundamentando-se na ideia de Foucault, de que o biopoder parece funcionar sobre uma divisão entre quem deve e quem não deve morrer, Mbembe equivoca-se ao concluir que esta divisão entre vivos e mortos tem natureza biológica, quando, na verdade, é cultural, ideológica e política.

Com efeito, não estamos falando da seleção natural das espécies ou de um processo orgânico que leva à natural sobrevivência deste ou daquele indivíduo. Estamos falando, isto sim, de um processo artificial, imaginado e criado pelo homem, o poder sobre a vida e a morte do cidadão.

Mbembe estende, a partir daí, seu raciocínio, para observar que há uma cisão biológica dos indivíduos em grupos ou subgrupos, a que Foucault chamaria “racismo”:

Operando com base em uma divisão entre os vivos e os mortos, tal poder se define em relação a um campo biológico – do qual toma o controle e no qual se inscreve. Esse controle pressupõe a distribuição da espécie humana em grupos, a subdivisão da população em subgrupos e o estabelecimento de uma cesura biológica entre uns e outros. Isso é o que Foucault rotula com o termo (aparentemente familiar) “racismo”.

Nada mais errado. A divisão dos seres humanos em grupos ou subgrupos com base no racismo nada tem a ver com processos biológicos, mas tão somente culturais. Mbembe não fala em nome da ciência, a qual, por sua vez, demonstra inquestionavelmente inexistirem diferenças biológicas ou orgânicas entre as ficções denominadas “raças”.

Não que Mbembe esteja inteiramente errado. Por vezes, ele expõe ideias corretas, mas não estende tais ideias até onde deveria, ficando estagnado numa conceituação seletiva, parcial, incompleta. Por exemplo, Mebembe aduz que:

Foucault afirma claramente que o direito soberano de matar (droit de glaive) e os mecanismos de biopoder estão inscritos na forma em que funcionam todos os Estados modernos; de fato, eles podem ser vistos como elementos constitutivos do poder do Estado na modernidade. Segundo Foucault, o Estado nazista era o mais completo exemplo de um Estado exercendo o direito de matar. Esse Estado, ele afirma, tornou a gestão, proteção e cultivo de vida coextensivos ao direito soberano de matar. Por uma extrapolação biológica sobre o tema do inimigo político, na organização da guerra contra os seus adversários e, ao mesmo tempo, expondo seus próprios cidadãos à guerra, o Estado nazi é visto como aquele que abriu caminho para uma tremenda consolidação do direito de matar, que culminou no projeto da “solução final”. Ao fazê-lo, tornou-se o arquétipo de uma formação de poder que combinava as características de Estado racista, Estado assassino e Estado suicida. Já se argumentou que a fusão completa de guerra e política (racismo, homicídio e suicídio), até o ponto de se tornarem indistinguíveis uns dos outros, é algo exclusivo ao Estado nazista.

A primeira incompletude no raciocínio se nota pela colocação do Estado como titular exclusivo do direito de matar com base numa política racista. Mbembe não aborda a microfísica do poder, também de Foucault, principalmente no âmbito do indivíduo racista, da conduta racista pessoal, individual, incluindo, aí, mortes por este motivo, é claro.

Outra incompletude se vê na afirmação de que o estado nazista abriu caminho para a consolidação do direito de matar, tornando indistinguíveis racismo, homicídio e suicídio. Não se falou em que aspecto específico o estado nazista foi o abre-alas do direito de matar, considerando que, antes mesmo do nazismo, estados outros já perpetravam sua política de genocídio, extermínio em campos de concentração, através da fome, frio, fuzilamentos, enforcamentos etc etc.

Mbembe fala do colonialismo e das “máquinas de guerra” de Deleuze e Guattari, mas não o faz tão clara e enfaticamente como quando fala do homem-bomba, o qual equipara ao helicóptero e ao tanque na capacidade de tornar-se arma e matar, embora assinale a diferença no tocante ao fato de que o homem-bomba não traz em si nenhuma ostensividade mortífera.

Termina Mebembe por dizer, quanto ao homem-bomba, que, na lógica do martírio, existe uma nova semiose no matar, na qual o corpo torna-se o uniforme do combatente, perdendo sua característica de corpo e o homem-bomba, almejando a vida eterna, suicida-se, fundindo a guerra, o homicídio e o suicídio.

O ponto de partida, porém, é que não existe esta “lógica do martírio”. O homem-bomba não se explode com base em uma lógica de raciocínio, antes o faz como um “instrumento da causa”, movido por razões religiosas. A crença religiosa faz parte do homem oriental de uma forma diferente da verificada no homem-ocidental. No homem-bomba, a crença religiosa é sua própria essência humana. Retire-se tal crença do homem ocidental e resta um ateu. Retirem-na do homem oriental e não resta nada.

Assim, não me parece correto falar de uma “lógica do martírio”, mas sim de uma “fé no martírio”, pois o homem-bomba abre mão de todo o conceito lógico, humanitário e moral conhecido.

O homem-bomba não persegue a vida eterna e nem pensa estar se suicidando, pois, de acordo com suas crenças, está servindo a seu deus na Terra, sendo sua morte um dever dado por este deus e a vida eterna uma mera conseqüência natural de seu ato e não o objetivo do ato em si.

E Mbembe apresenta sua conclusão em seu trabalho:

Neste ensaio, argumentei que as formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte (necropolítica) reconfiguram profundamente as relações entre resistência, sacrifício e terror. Demonstrei que a noção de biopoder é insuficiente para explicar as formas contemporâneas de subjugação da vida ao poder da morte. Além disso, propus a noção de necropolítica e necropoder para explicar as várias maneiras pelas quais, em nosso mundo contemporâneo, armas de fogo são implantadas no interesse da destruição máxima de pessoas e da criação de “mundos de morte”, formas novas e únicas da existência social, nas quais vastas populações são submetidas a condições de vida que lhes conferem o status de “mortos-vivos”. O ensaio também esboçou algumas das topografias reprimidas de crueldade (fazenda e colônia, em particular) e sugeriu que, sob o necropoder, as fronteiras entre resistência e suicídio, sacrifício e redenção, martírio e liberdade desaparecem.

Esta conclusão está equivocada, além de não trazer novidades sobre a visão de Foucault, o qual já tratara do tema em sua obra, bem como sobre as teorias lançadas por Adorno, Horkheim, Marcuse etc na Escola de Frankfurt.

Com efeito, a Escola de Frankfurt tratou do que chamava de lumpenproletariat, falando de classes e raças insertas em bolsões de ignomínia, rejeição e morte por exclusiva falta de acesso a políticas sociais.

Quando fala de “mundos da morte” pela implantação de armas de fogo entre os homens, com o intuito de matar o maior número de pessoas, Mbembe tem uma visão mais uma vez parcial e incompleta do problema. É que as armas surgiram na história do homem com dois diferentes usos, que sempre foram presentes: atacar e defender.

Ao estabelecer o uso das armas apenas com a finalidade de matar pessoas, Mbembe ignora completamente o uso histórico e milenar das armas como instrumento de defesa e de preservação de vida. Reduz o poder letal das armas às armas em si, quando é o homem quem as usa.

Quando fala de populações submetidas a condições de vida que as transformam em mortos-vivos, Mbembe não especifica, em sua conclusão, a quem estariam submetidas estas populações. Como eu já dissera certa vez, genocídio, mortes, guerras, extermínio, campos de concentração não conhecem somente uma cor de farda, pois ocorreram tanto em regimes totalitários de esquerda como de direita.

 

4 O discurso distorcido e a segurança pública

Esta falta de clareza de Mbembe foi prontamente abraçada pelos adeptos da narrativa falsamente humanista de natureza stalinista-leninista. Nos textos, aulas e abordagens universitárias, a tese de Mbembe foi prontamente vinculada ao racismo, ao capitalismo, ao imperialismo americano e, no caso do Brasil, ao governo que se iniciou em 2019.

A polarização e politização da tese de Mbembe somente empobrece o debate e coloca este autor na bolha acadêmica, desconhecida do povo em geral. É a conseqüência da invasão do ambiente universitário pelos quatro cavaleiros do apocalipse frankfurtiano, Adorno, Marcuse, Hokheimer, Benjamin. A este respeito, já dissera eu em “Internet, pandemia e ódio – por que estamos mais idiotas?”:

“Herbert Marcuse acreditava que o avanço tecnológico deixou a sociedade confortável, resolvendo seus pequenos problemas cotidianos. Assim, o proletariado e a burguesia não eram mais atores principais neste cenário. Pelo contrário, tornaram-se confortáveis espectadores de uma vida que passa sem agentes revolucionários ou transformadores.

“Quando escreveu o livro “O homem unidimensional”, Marcuse elegeu como um “novo proletariado” as classes cuja ascensão não estava sendo permitida nesta nova realidade: as minorias. O oprimido de hoje não seria mais o operário explorado na fábrica pelo patrão capitalista. Agora, o oprimido seria o negro, o homossexual, o indígena, enfim, qualquer setor social cuja ascensão estivesse sendo tolhida pelo poder dominante.

“Frente a um declínio evidente do socialismo no mundo, o discurso de Marcuse foi prontamente adotado pela esquerda, como forma de dar um novo fôlego à batalha ideológica onipresente entre esquerda/direita, capitalismo/comunismo e toda sorte de maniqueísmos estéreis (porque, na verdade, não importa a posição política. O que realmente move o homem é a ideologia do dinheiro e do consumo – ironicamente, esta minha visão é paradoxalmente distante e próxima da superestrutura econômica marxista, porém juro que não é intencional).

“Os meios e o discurso mudaram, mas os fins permaneciam os mesmos. O vilão agora, além de meramente econômico, ou seja, capitalista, passava a ser também, e principalmente, cultural, do ponto de vista macro: religioso, histórico, humanitário, vinculado a raças, condição sexual, dentre outros.

“Como consequência, assistimos à queda do muro de Berlim e, ao mesmo tempo, a ascensão das bandeiras da dívida histórica dos brancos para com os negros, dos direitos LGBT, do poliamor, das famílias homoafetivas, multiparentalidade, enfim, toda forma de contestar o sistema vigente e ascender à condição de categoria protegida juridicamente.

“Marcuse, porém, criou um problema: antes, o vilão era o patrão capitalista. E agora, quem passou a ser o vilão? E aqui se verifica uma das mais profundas e questionáveis consequências do pensamento marcusiano: o vilão agora podemos ser todos nós, além do estado. O homem mediano, o cidadão comum, pode ser minoria ou pode ser opressor, e para isso não necessita mais se enquadrar no estereótipo do industrial fumante de charutos que obriga seus operários a trabalharem dezesseis horas por dia numa fábrica. Agora, qualquer um pode oprimir.

“E quem determina quem vai ser oprimido e opressor? A ideologia marcusiana estabelece os moldes para criação de patrulhas sociais, cujo papel é o de fiscalizar quem está desempenhando qual destes papéis e como isto será recepcionado pela sociedade.

“Em tempos de redes sociais, de relações imediatas e informação online, este patrulhamento social assume um papel poderoso, influenciador e intimidante. Carreiras e nomes são erigidos ou derrubados conforme o caso.

“Marcuse deixa um legado equivocado e confuso, conseguindo fazer com que a sociedade seja, ao mesmo tempo, vítima, vilão, fiscal, julgador e carrasco. Os tempos líquidos a que se referia Bauman tornam-se tempos plasmáticos: a matéria assume um quarto estado, moldado de acordo com as condições ambientes de tempo e espaço. Conceitos rígidos aplicados em relações líquidas. Registros indeléveis, perenes, em redes sociais, que solidificam e imobilizam na eternidade as relações que antes eram líquidas. Eis os tempos plasmáticos.

“Ora, Touraine já falava do lumpen proletariat, o proletariado “degradado e desprezível”, sem consciência de classe, formado pelas minorias (negros, homossexuais, mendigos, etc etc e, curiosamente, os estudantes) como alvo do novo embate ideológico em busca do poder.

“A curiosidade, aqui, são os estudantes inseridos na categoria do lumpen proletariado, pois não seriam, a rigor, minorias desfavorecidas como as demais categorias. A explicação, porém, é simples: os estudantes seriam a paradisíaca argila intelectual ainda não formada, pronta para ser moldada a contento da ótica marcusiana.

“Considerados uma massa acéfala, impulsiva, inconseqüente e moldável, os estudantes passaram a ser o centro das atenções de uma ideologia que perdia sua base de sustentação a passos largos, em face da alteração dramática no cenário historicista dos meios de produção e da exploração do operariado.

“Investir na lavagem cerebral de mentes de alunos de educação de base levaria muito tempo. A partir das universidades, porém, este processo já poderia ser implementado e ocorreria mais rápido, pois o universitário de hoje é o político de amanhã, como afirma Olavo de Carvalho.

“Assim, para contrabalançar de forma mais rápida e efetiva possível o desvanecimento de seu discurso político polarizador de classes, a ideologia em decadência traçou toda uma estratégia para tomar o poder político de um país: primeiro, aparelhou as universidades com professores e servidores seguidores de sua linha de raciocínio; depois, passou a produzir em série toda uma legião de profissionais e políticos zumbis, formados sob a égide de sua estratégia.

“O resultado é que nos últimos vinte a trinta anos nossas instituições públicas e até mesmo privadas, que já tiveram em seus quadros um Ruy Barbosa ou Machado de Assis, por exemplo, foram inundadas por seres esdrúxulos, sem cultura e com caráter duvidoso.

“Outras instituições foram ocupadas, paradoxalmente, por seres dotados de bastante cultura, porém sem pudor ou compostura, sem liturgia do cargo, não lhes sendo bastante seu acervo cultural, face sua propensão à politização indevida e um ego subjugado pela vaidade. Alan Touraine, sem saber, já falava do lumpen proletariado de hoje.

“Em paralelo, e também em virtude desta fábrica de salsichas universitária, as redações dos jornais e televisões foram ocupadas por partidários da escola marcusiana de poder. A internet, mais especificamente as redes sociais, veio subverter este plano de poder, na medida em que trouxer um território avesso ao controle, cujos limites nenhum marco temporal podia estabelecer.

“Ciente do perigo, esta rede sequiosa de poder estendeu seus tentáculos para um empresariado bilionário disposto a financiar-lhe os objetivos em troca de mais lucros financeiros, com a doma de um mercado consumidor ávido por ouvir o que precisa ter, o que necessita possuir, para encontrar sua felicidade.

“Surgiram os grandes conglomerados da internet mundial, controlando com mão de ferro o que pode ser visto, ouvido e dito nas redes sociais. Buscadores, redes e servidores uniram-se, de forma que um indesejável dissidente fosse banido do mundo digital, sempre sob o indefectível discurso da “proteção ao ódio”, um discurso hipócrita (porque ele mesmo é semeador do ódio, da discriminação, do preconceito e da censura), mas que cala fundo ao emocional do homem mediano, sempre pronto a ser enganado pelo discurso humanóide (falsamente humanista).

“Esmagado sob a imbecilidade do discurso politicamente correto, uma espécie de porta-bandeira do maniqueísmo esfarrapado da ideologia nazista-algorítmica, o homem se vê compelido a reproduzir e difundir toda e qualquer idiotice propagada nas redes sociais, como forma de ser parte relevante e com voz numa sociedade cruelmente segregacionista para com seus dissidentes.”

O conceito da necropolítica de Mbembe caiu em cheio no colo da agenda globalista movida pela “ala progressista mundial” (de megainvestidores em Wall Street a Estados-países, passando por professores e intelectuais), e passou a ser relacionado ao capitalismo, à direita, polarizando, politizando, desvirtuando e empobrecendo sua tese.

O apelo psicológico é muito forte. Fica muito difícil apontar o ora em curso domínio islâmico da Europa e o aumento de homicídios, atentados e estupros em países europeus ao mesmo tempo em que as fronteiras são abertas indiscriminadamente a refugiados, terroristas e fundamentalistas religiosos, na medida em que o contra-argumento será todo com base no discurso pasteurizado da preservação dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana, como se estes direitos fossem absolutos e não guardassem exceções.

A tese de Mbembe parece adequar-se parcialmente ao estudo de colônias e imperialismo colonial (pois o colonialismo americano, portenho e brasileiro foram radicalmente opostos, por exemplo), mas ao tentarmos encaixá-la no estudo geral do ser humano, é como se estivéssemos tentando fazer um círculo passar por uma entrada quadrada.

O mais curioso é que o próprio Mbembe, em suas outras obras, traz uma noção do delírio histérico que é a divisão do homem em raças, como se a cor da pele os diferenciasse:

“A crítica da modernidade estará inacabada enquanto não compreendermos que o seu advento coincide com o princípio da definição de raça e da lenta transformação deste princípio em matriz privilegiada de dominação ontem como hoje”.

Em “Crítica da razão negra”, o autor nos diz:

Se aprofundarmos a questão, a raça será sempre um complexo perverso, gerador de medos e tormentos, de problemas de pensamento e de terror, mas sobretudo de infinitos sofrimentos e, eventualmente, de catástrofes. Na sua dimensão fantasmagórica é uma figura da neurose fóbica, obsessiva e, por ventura, histérica (Mbembe, 2014, p. 25).

E em “Sair da Grande Noite – ensaios sobre a África Descolonizada”, nos provoca dizendo: “Também é necessário resistir à cumplicidade por encantamento e saber para onde se encaminha o nosso canto, e qual é a sua filiação no destino da grande noite do mundo” (Mbembe, 2014c, p. 31).

Esta “grande noite do mundo” a que se refere Mbembe é um dizer de Frantz Fanon, que exerceu grande influência sobre o pensamento “mbembiano”, e significa deixar para trás a colonização e a coisificação do negro.

É, então, um paradoxo: ao mesmo tempo em que aponta a neurose com o lidar com a divisão racial, a histeria com as questões atinentes, Mbembe fala de “sair da grande noite” do problema racial como se raça realmente existisse.

A explicação talvez seja, mais uma vez, a dubiedade interpretativa que caracteriza muitos conceitos de Mbembe: quanto ao surgimento de raças, ele nos fala de uma neurose e histeria, mas isto pode ser interpretado tanto como pelo fato de, na verdade, isto seria injustificável face inexistência de raças, como, por outro lado, seria cabível por ser patente existirem raças humanas diferentes.

Na segurança pública, a apropriação indevida da tese de Mbembe pela narrativa do Estado opressor e a minoria oprimida fica clara em textos como a entrevista intitulada “O que é a necropolítica. E como se aplica à segurança pública no Brasil”, de 2019, expondo as ideias da pesquisadora Rosane Borges.

Reduzindo o pensamento de Mbembe e a discussão sobre o racismo à pequenez do historicismo marxista, a autora evidencia como a tese de Mbembe pode ser “adaptada” e utilizada como mais um argumento no combate à opressão das minorias. Isto até certo ponto é justificado pelo fato de autora ser jornalista de formação. Apesar de possuir estudo nos temas que discute, nota-se que lhe falta o criticismo histórico, sociológico e antropológico necessários. Não lhe falta diploma, falta-lhe intimidade com tais ciências. Conheço muitos filósofos, sociólogos, historiadores e antropólogos com diploma incapazes de discutir o tema.

A considerar correta a linha ideológica defendida pela autora, porém, teria ela se apropriado indevidamente do lugar de fala dos antropólogos, sociólogos, filósofos e historiadores. Em sua entrevista, a mencionada pesquisadora responde às perguntas, e eu adicionei minhas observações:

Ponte – O que é necropolítica e como Achille Mbembe chegou até ela?

Rosane – A necropolítica é a política da morte adaptada pelo Estado. Ela não é um episódio, não é um fenômeno que foge a uma regra. Ela é a regra. E o Achille Mbembe elabora esse conceito à luz do estado de exceção, do estado de terror, do terrorismo. Uma das inspirações dele é o Michel Focault, com a biopolítica. Ele vai trabalhar com o conceito inicial, não contrapondo exatamente, mas dizendo: “a materialização dessa política se dá pela expressão da morte”. O Estado não é para matar ninguém, ele é para cuidar. Que a própria política não é o lugar da razão, é o lugar da desrazão. E isso vai ter um desdobramento nas sociedades contemporâneas. A gente vê hoje um Estado que adota a política da morte, o uso ilegítimo da força, o extermínio, a política de inimizade. Que se divide entre amigo e inimigo. É o que a gente vê, por exemplo, nas favelas, nas comunidades do Rio de Janeiro, nas periferias das grandes cidades brasileiras. Não há nenhum tipo de serviço de inteligência, de combate à criminalidade. O que se tem é a perseguição daquele considerado perigoso. A necropolítica reúne esses elementos, que são reflexíveis e tem desdobramentos que a gente pode perceber no nosso cotidiano, na nossa chamada política de segurança. 

OBS: A autora monopoliza a necropolítica no estado, romantiza as favelas e atribui o monopólio da violência à polícia, como se o traficante não existisse, não se escondesse covardemente atrás de mulheres e crianças na favela, não exterminasse sumariamente qualquer pessoa nem portasse fuzis e granadas. Como se não existisse serviço de inteligência no combate ao crime, o que demonstra a falta de contato da autora com o ambiente da segurança pública.

 

Ponte – Segundo o autor, os “mecanismos técnicos para conduzir as pessoas à morte” e a “eliminação dos inimigos do Estado” vem desde os tempos do imperialismo colonial, do período da escravidão. Ou seja, nada mudou de lá pra cá?

 

Rosane – Nada mudou ou, na verdade, pouca coisa. A gente não pode dizer que nada mudou, mas a gente tem uma concepção de fundo que permanece. Se a gente perceber nossa polícia, ela tem uma vocação empreguista, porque ela substitui o capitão do mato. O capitão do mato tinha a função de perseguir os fugitivos e entregar aos seus “donos”. Com o fim do sistema da escravidão oficializada, a gente tem uma polícia que nasce com essa vocação empreguista. E esse empreguismo e essa perseguição se dá a partir de questões sociais, raciais, de gênero e de território. A polícia não toca o terror, como a gente costuma dizer, em espaços considerados de elite. Ela não invade territórios de elite. Essa é a vocação empreguista e persecutória. É a humanidade subalterna que ela invade, que ela viola. Primeiro mata e depois pergunta quem é. 

 

OBS: A entrevistada simplifica de forma bem primária a atuação da polícia, comparando-a ao capitão do mato, como se os contextos fossem iguais, como se o alvo da polícia fosse o negro. Uma falácia, pois é evidente que o alvo da polícia é o criminoso. Ignora que a polícia troca tiros com quem a ataca, o que ocorre nas favelas, onde se esconde o traficante, enquanto nos chamados “locais de elite” isto não ocorre simplesmente porque a polícia ali não é recebida a bala.

 

Ponte – Como neopolítica e racismo se relacionam?

Rosane – A política de morte, ou como o próprio Achille Mbembe vai dizer, a necropolítica adota tipografias da crueldade. São os lugares em que se tem licença para matar. Lugares subalternizados, com uma densidade negra. Então, quando a gente junta necropolítica com raça e com racismo, a gente vai ver que essa política da morte tem um endereço. Por que se fala em genocídio da juventude negra brasileira? Porque se mata negros e os números são exorbitantes.

OBS: A autora, aqui, descreve claramente os traficantes, o PCC, o Comando Vermelho.Por que a omissão e o silêncio quando a bala perdida que atinge a criança vem do fuzil do traficante? Será porque o traficante não paga indenização? Será medo de morrer, porque o traficante mata? E o que diria a autora sobre a cracolândia, onde zumbis se decompõem sem que se lhes possa encostar a mão e levá-los a tratamento compulsório? A lógica do viciado é simples: pergunte-lhe o que ele quer e ele responderá de pronto: mais droga. Se o Código Civil considera o viciado relativamente incapaz, que se deixe o estado os tratar.

 

Ponte – Como a necropolítica está sendo aplicada no Brasil e, principalmente, no governo Witzel?

Rosane – Pela militarização da força. A militarização se tornou agora uma panaceia para se combater “todo e qualquer tipo de violência e de criminalidade”. Muita gente vem discutindo como a Operação de Paz liderada pelo Brasil no Haiti construiu um paradigma. Não é a toa que se você pegar os generais [que passaram pela missão] eles estão no governo Bolsonaro. A história das guerras de paz da ONU começam na Guerra Fria e, por isso, são chamadas de guerra de paz. Elas eram orientadas por uma presença mais passiva e menos uso da força. Os conflitos de Ruanda e Bósnia deixaram a ONU em uma situação muito difícil, porque em Ruanda tiveram um milhão de mortos e a ONU não fez nada, na Bósnia a mesma coisa. Quer dizer, o genocídio da década de 90 mudou muito as missões de paz da ONU. A ONU passa a adotar uma conduta mais agressiva justamente quando o Brasil assume a liderança da missão da ONU no Haiti. E essa aplicação fez que, do ponto de vista interno da criminalidade, também fosse adotado uma nova lógica. Uma postura das Forças Armadas que acaba sendo usada no dia a dia da polícia, o que não surte efeito para a criminalidade, porque morre todo mundo. Morre inocente. Morre policiais. Morre civis. E aquilo que era para se combater não se combate.

OBS: A desmilitarização da polícia serve ao ideal dominador e protofascista da ideologia marcusiana. A ONU abriga países genocidas e exterminadores dos direitos humanos e das mulheres em sua composição, em seu conselho de direitos humanos (!). A ONU conferiu prêmio pelo trabalho de combate à fome ao presidente Maduro, de uma Venezuela onde se matam cachorros para comer, onde pessoas morrem de… fome(!) Obama recebeu Nobel da Paz e jogou milhares de bombas sobre as cabeças de civis e militares na Síria. Obama manteve, durante seus dois mandatos, a política de segregação das crianças das famílias de imigrantes ilegais, política esta criada e usada por Clinton, ambos democratas. Trump foi o único presidente americano nos últimos 30 anos que manteve seu país fora de novas guerras durante seu mandato. Cobramos apenas coerência, e não enamorar-se por este ou por aquele segmento de poder.

 

Ponte – E aí o Estado não está cumprindo seu papel por definição…

Rosane – Como bem disse Foucalt: o Estado não é para operar a morte, é para cuidar da vida de todos. Quando essa política de morte é oficializada, significa dizer que o Estado também faliu na sua função. É o papel do Estado prover as vidas, de que elas realmente serão vividas. Estado não é para matar os seus cidadãos. 

OBS: O Estado existe apenas para sustentar o Estado, manter-se no poder e no controle, através de seu poder de cobrar impostos. A visão de que o Estado é para cuidar de todos é aquela que ficou famosa nas palavras de Mussolini, nada fora do estado, tudo dentro do estado. Nada mais fascista, portanto.

 

Ponte – Mbembe fala em o “estado de exceção” e “estado de sítio” como “base normativa do direito de matar” para se referir ao nazismo e ao território palestino. Pensando em Brasil, podemos fazer essa leitura para falar sobre as mortes causadas pela polícia que acontecem em territórios periféricos das cidades? 

Rosane – Sim, inclusive Achille Mbembe vai dizer que se fala muito dos campos de concentração do século 20. Ele vai fazer um recuo histórico e dizer: “olha, essas experiências do estado de exceção já estavam na época da escravidão”. E ele vai estender e dizer que isso acontece hoje, na nossa contemporaneidade. Isso porque tem os seus lugares privilegiados em que a necropolítica se exerce. No Brasil, a gente sabe onde ela se exerce: nas periferias das grandes metrópoles, nos conflitos agrários dos rincões do Brasil, nos morros, nas favelas. 

OBS: O que a autora diria do Holodomor, da grande fome da China pós Mao, de Pol Pot, de Stalin? Mais uma vez, não queremos torcidas de futebol, e sim uma análise científica verdadeira.

 

Ponte – Mbembe fala sobre “política como o trabalho da morte”. O que isso significa? 

Rosane – É uma política em de que se abre mão do que seria o poder conciliatório do Estado. O Estado é soberano quando decide sobre a vida e a morte de seus cidadãos. Se fala muito em soberania, o Bolsonaro fala de soberania quando fala da Amazônia, mas não se fala de soberania em relação aos Estados Unidos. Aquilo não tem nada de soberano. O que é ser soberano é quando você tem o poder de decidir a morte. Então, a necropolítica é uma forma de os Estados exercerem a soberania pela decisão de escolher quem deve morrer e quem deve viver na sociedade.

OBS: No pequeno mundo da autora, o estado é Bolsonaro. Esquece-se que também foi (e ainda é, porque manteve muitas políticas nefastas) FHC etc etc. É a infantil polarização política de uma tese acadêmica. Ou, se preferirem, apropriação acadêmica.

 

Ponte – Qual a relação que as expressões “parem de nos matar”, “vidas negras importam”,  “a bala perdida sempre encontram corpos negros”, muito comuns em protestos contra a violência policial, tem com o termo necropolítica?

Rosane – Quando pessoas levantam bandeiras e cartazes com esse enunciado elas estão dizendo: “Olha como essa política da morte se materializa, olha como o Estado está sendo ineficaz em combater a criminalidade e promover a Justiça, em ser um Estado que protege os seus cidadãos e não os coloca em risco. Inclusive em risco de morte”. Esses cartazes, como agora na morte da menina Ágatha, apontam, primeiro, para essa falência do Estado em combater o que ele deveria combater e promover, de fato, igualdade e justiça. Famílias negras e pobres estão sentido isso na pele.Em Salvador tem um protesto que chama “Minha mãe não dorme enquanto eu não chegar”. Essa é uma preocupação que acompanha famílias, especialmente negras, que moram nesses lugares. As chamadas tipografias da crueldade. Quando pegamos os índices, por exemplo, de morte de jovens brancos de classe média, em cidades como São Paulo, vão aparecer acidente de carro e fatalidades. Mas a incidência de mortes por policiais se dá com o jovem negro da periferia. Isso quer dizer que há uma incidência de morte em que o Estado é o agente, o sujeito. Ele é mais do que o responsável, ele é o culpado.

 

Ponte – O vice presidente general Mourão declarou à imprensa, em vídeo que circula nas redes sociais, que o Estado deve ter o monopólio da violência. Essa declaração é um exemplo de necropolítica, o uso da polícia como “máquina de guerra”, termo usado pelo autor? 

Rosane – A excludente de ilicitude do pacote anticrime, que não tem nada de anticrime, é um pouco disso. E o que as pessoas estão dizendo? É preciso que se combata. Porque aí não precisa falar em justiça, em polícia. Já que tem que ser assim, então, que todo mundo saia por aí no bangue-bangue, matando todo mundo. Se a gente é a favor da lei, não se pode achar que o correto são os policiais matando por aí. Foram 16 crianças baleadas no Rio de Janeiro e cinco morreram só neste ano. É inadmissível. O número de policiais mortos no Rio de Janeiro é uma coisa absurda. Eles também estão morrendo. Quanto menos armas, menos criminalidade, quanto menos, mortes menos criminalidade. É assim que o Estado tem que trabalhar. 

 

OBS: E os traficantes? O estado dentro do estado? Acho que foi a isso que Mourão se referiu, dizendo que ninguém, a não ser o estado, deveria ter o monopólio da violência. Além disso, a entrevistada entra em contradição, pois, na medida em que acha que o estado deve cuidar de todos, não concorda que o estado deva ter o monopólio da violência. Com isso, quer dizer que mais pessoas devam ter o poder da violência, o que contraria sua fala anterior de que deve-se diminuir a violência. Ou podemos interpretar que a entrevistada deu ao termo “violência” um significado parcial, de injustiça praticada pelo estado, enquanto Mourão, claramente, fala de injustiça praticada por todos. E, se o estado não tiver o monopólio da violência, não terá armas nem polícia e sucumbirá perante o crime, que é o que a ideologia marxista prega: o uso do criminoso como instrumento para desestabilizar e enfraquecer a ordem dominante e possibilitar a tomada do poder.

 

Ponte – Racismo, capitalismo e necropolítica são inseparáveis? Sustentavam as mortes do passado e sustentam agora o que o autor chama de “guerras contemporâneas”?

Rosane – Sim, um sustenta o outro. Em uma análise mais estritamente marxista temos o seguinte: aquilo que o capitalismo acha que não serve mais ele abate, porque são corpos negros. A massa sobrante do mercado de trabalho, o que se faz? O que se faz com o contingente de pessoas que não serão absorvidas pela novas competências técnicas e tecnológicas do capitalismo? Se mate, se exclui. Obviamente que essa mesma massa sobrante são corpos negros, mulheres negras, fundamentais para a acumulação de capital. Corpos que foram escravizados e hoje eles não interessam mais para o capital. A análise mais liberal, financeira, está chamando essas pessoas de desalentadas. São pessoas que estão vivendo nas franjas do sistema social, ficando marginalizadas. Nesse processo de marginalização, a gente cria linhas divisórias de nós e outros. E esses outros podem ser alvo de tudo. Inclusive da morte. 

OBS: Esta fala é de um imenso negacionismo histórico. Stalin, Mao, Pol Pot, todos foram esquecidos pela autora. E é fácil observar, aqui, o discurso impregnado de “todo o poder ao lumpenproletariat”, cujo significado, nas entrelinhas, é: todo poder a mim, através da instrumentalização útil do lumpenproletariat.

 

Ponte – Algumas pessoas tratam a atual situação do Rio de Janeiro como uma guerra. Essa comparação é equivalente?

 

Rosane – Eu acho que sim, porque se você trabalha com a ideia de amigo e inimigo, e que você tem que abater o inimigo. Você só trabalha nessa perspectiva se você trabalha com guerra. É a mesma coisa a ideia de guerra às drogas. Você não guerreia com coisas, com objetos, você guerreia com pessoas. O termo “guerras às drogas” é infeliz ao mesmo tempo que parece ingênuo, revela que se trata de uma guerra contra pessoas.

OBS: Seria então guerra contra quem? Ela não fala. Sabemos quem se encaixa nesta categoria exposta pela entrevistada, e não é a polícia. É o traficante, o líder da facção criminosa. Estes não são referenciados porque matam de verdade, e calam pelo medo.

 

Ponte – Como a necropolítica se aplica na questão poder do Estado, antes exercido pelas colônias? 

Rosane – Do ponto de vista jurídico não somos mais colônias, apesar de nunca termos deixado de ser no ponto de vista político. O presidente fala em ser soberano, que ninguém pode mandar na Amazônia, mas antes de ele ter esse discurso ele foi, em uma perspectiva, colonizado pelos Estados Unidos. O Brasil está escolhendo ser colônia. A colônia tinha uma expropriação do corpo, o corpo que era escravizado, um corpo moeda, objeto. O que permanece é o corpo que é matável. Não é mais estatuto jurídico do escravizado, mas digamos que essa escravização se dá de outras formas. A partir de imaginários, de políticas que definem o normal e o desviante, o bem e o mal, o belo e o feio. A gente vai vendo essas hierarquias se mantendo, o fantasma da escravidão e da colônia é uma presença muito forte. Inclusive orienta políticas contemporâneas. Eu uso sempre o exemplo da violência obstétrica. Uma das modalidades da violência obstétrica é que quando falta anestesia nos hospitais públicos qual é a ordem? Que não apliquem procedimentos anestésicos em mulheres negras, porque se supõe que mulheres negras resistam mais a dor. Da onde que vem essa informação? Da colônia, da escravidão. Por mais que essa regra não seja escrita, ela orienta a política de Estado, porque isso acontece no SUS. É o que se chama de conjunto das regras não escritas, que está no nosso imaginário. Não há comoção porque esse corpo já tem escrito a possibilidade de ser abatido. A gente não vai para a Avenida Paulista, não vai para as orlas de Copacabana. 

 

Ponte – Como você avaliou o discurso de Jair Bolsonaro na ONU nesta terça-feira?

Rosane – Todo mundo está dizendo que é vergonhoso, mas é muito violento. Um presidente que diz que tem que proteger as famílias e as nossas crianças da “ideologia de gênero”, mas é o mesmo presidente que diz que não tem que proteger a família da violência. Quer dizer, a Ágatha morreu na sexta-feira e o presidente vai para a ONU dizer que tem que proteger as crianças da perversão sexual? É violento, é desrespeitoso com os pais daquela criança. Ou seja, ele não respeita família nenhuma. Não se solidarizar nesse momento com o que é a tragédia da morte da Ágatha é de uma violência extrema. 

 

OBS: Defender Hitler é violento. Ofender Pelotas é violento. Dizer que vai botar fogo no país é violento. Dizer que vai tomar o poder sem ser pelo voto é violento. E estas foram declarações de expoentes da ideologia da entrevistada. A entrevistada considera desrespeitoso com os pais de Agatha defender as crianças da perversão sexual!! Esta afirmativa, por si, já é absurda, mas também é colocada como contraponto a um pretenso discurso presidencial(???). O que tem a ver uma coisa com a outra? Por fim, não se tem notícia de fala presidencial no sentido de que  não se deveria proteger a família da violência. Há, isso sim, anotações em contrário em tais falas oficiais. O ataque à família é um dos pilares da cartilha leninista para tomada do poder. Churchill já dizia que, no futuro, os fascistas chamariam os adversários de fascistas.

 

Jorge Maranhão, mestre em Filosofia, escreveu em 2019:

 

Já que somos uma cultura barroquista que adora figuras retóricas, entre as quais o paradoxo, identifiquemos aqui um dos mais falaciosos: o que taxa de necropolítica causas como o direito ao porte de arma, que causaria a morte descontrolada de assaltantes, de um lado, e, de outro, o direito ao aborto, que evitaria a morte de mães decorrentes de práticas abortivas clandestinas por gravidez indesejada.

Sobretudo nos meios dos grupos esquerdopatas da academia, das artes e espetáculos e da extrema imprensa oposicionista ferrenha do governo democraticamente eleito pela maioria dos cidadãos brasileiros, quando causas de direito à vida são consequência de simples concepção conservadora do valor da vida, entendida como direito fundamental na tradição judaico-cristã. O direito à vida que só pode ser efetivo com a garantia do direito à defesa da vida – entendimento que se torna imprescindível para a superação do paradoxo da alegada necropolítica.

Ao contrário da contorcionista oposição progressista, política de vida que defende a morte, como esbraveja contra o princípio lógico da não-contradição, que sempre arranja um jeito de trocar alhos por bugalhos.

Lanço, pois, aqui o desafio de mantermos a coerência lógica de escolher entre a defesa da vida e a defesa da morte, uma vez que a razão não pode abrigar duas posições que se negam e o paradoxo se torna inevitável como figura retórica ilógica, inconvincente, embora aparentemente persuasiva.

Aliás, o debate volta à baila no exato momento da fundação do novo partido conservador pelo presidente da república que defende a vida de um ser em potencial contra a causa abortista, ao mesmo tempo em que defende o direito de o cidadão se armar para defender a sua própria vida.

Nesses termos, o alegado direito feminista de decidir sobre seu corpo não pode dar à mulher o direito de sacrificar a vida de outro ser. Assim como é falaciosa a tese de que o cidadão tem de transferir incondicionalmente para o Estado a defesa de sua própria vida, impossibilitado de fazê-lo pela posse legítima e responsável de uma arma.
O que está em jogo, na verdade, é a velha pregação esquerdista sobre a relativização do direito à vida, no caso do aborto voluntário por decisão exclusiva da mulher, e no da proibição do porte de armas por decisão exclusiva do Estado.

Um Estado que falha por omissão em defender a vida por que, na verdade, concebe os cidadãos como incapazes de livre arbítrio e, portanto, passivos de serem tutelados por princípio.

Em prol da razão mais iluminista, contra as tentações das torções barroquistas do paradoxo do pensar, e também de seus correspondentes como a ironia do tratar, a farsa do representar, o quiproquó do julgar, deixemos claro: não há como se defender de fato o direito incondicional à vida sem a garantia do direito fundamental de defesa da vida, sobretudo dos que não podem ou têm limitada sua capacidade de se defender.

Trata-se tão simplesmente do pleno entendimento do instituto do direito de defesa, inato ao próprio homem. O que faz toda a diferença para se escapar desse paradoxo e superar a mentalidade barroquista do esquerdismo entranhado no imaginário brasileiro desde os tempos da redemocratização.

Pois o direito à vida simplesmente não existe, ou é mero flatus vocis, sem o direito inalienável e concreto da defesa da vida. Os que defendem o aborto são os já nascidos e estão simplesmente a impedir o mesmo direito à vida aos que ainda não nasceram. O que na verdade caracteriza tão simplesmente a mais absurda crueldade de se atentar contra a vida dos que não tem meios de se defender.

E cabe ao Estado sobretudo a missão de coibir a crueldade como mal intrínseco da natureza humana, se não nos concebemos como bons selvagens tuteláveis. A missão de, não apenas defender o direito à vida, mas de defender os que assim o fazem. E coibir todos aqueles que o relativizam e negam aos cidadãos o direito de defenderem suas vidas.

Até por que, o direito à posse de armas nada mais é do que a garantia do mesmo direito de defesa aos cidadãos que têm sido garantido ao bandidismo, sob a falácia de direitos humanos – outra falácia barroquista de predileção dos esquerdistas.

Vale lembrar que direitos são por definição humanos a menos que se queira lhes esvaziar de sentido substancial e lhes agregar um abuso de direitos sem deveres em contrapartida. Como justiça social que por definição se pratica no meio concreto da sociedade, a menos que se queira lhe agregar um ativismo político lhe esvaziando de sua natural prudência.

Pois uma arma não é apenas um instrumento de defesa da vida. Mas acima de tudo um meio de dissuasão dos que intencionam atentar contra a mesma. O resto é contorcionismo verbal de nossa longa tradição barroquista. E contra a qual, só um choque de razão, bom senso e iluminismo pode conter nos limites da clássica prudência. (https://dcomercio.com.br/categoria/opiniao/para-alem-do-paradoxo-da-necropolitica)

Dentro da lógica maniqueísta da ideologia marcusiano-frankfurtiana, ao demonstrar tudo o que disse até agora, seria eu, automaticamente, extrema-direita, pró-Trump, opressor, etc etc. Isto, é claro, não é verdade. Achei Trump arrogante no seu governo, e a extrema-direita é tão burra como a extrema-esquerda.

A solução, dentro deste cenário, não viria nem da esquerda, nem da direita, nem do centro autodenominado “isento”, mas sim de cima: um santificado meteoro que pusesse fim a esta ignomínia de forma mais rápida e eficaz, possibilitando o renascimento de um planeta mais equilibrado.

Enquanto este dia não chega, seguimos na faina diária de combate ao crime e à violência, feita de forma inadequada, com foco em categorizações e rotulagem de pessoas, quando deveria ser levada a efeito com base na acepção global de “pessoa humana”.

A presença desta visão desfocada do problema causa a dá existência àqueles que pensam a segurança pública apenas como uma política voltada à recuperação do ser humano e sua reinserção no tecido social. O problema desta visão é que gera políticas públicas bitoladas e incapazes de resolver a essência do mal, tratando apenas de alguns sintomas. Isto enfraquece o estado e torna a polícia um grêmio lítero-poético-recreativo, distribuindo origamis nas ruas enquanto os criminosos se enchem de fuzis, granadas, morteiros e metralhadoras antiaéreas, esquartejam e queimam desafetos, o crime prevalece e vence.

A visão radicalmente oposta, de que a segurança pública é uma guerra a ser lutada com mortes e armas somente, também não logra muito êxito. Isto torna o estado pouco produtivo, dispendioso e propenso à corrupção institucional, na medida em que privilegia uma possível compra e venda da força e de armamento institucional.

Um sistema de justiça criminal enlouquecido, sem atuação conjunta, em que cada instituição caminha numa direção oposta à da outra, resulta em prisões e solturas em série de um mesmo criminoso, o famoso retrabalho, num círculo vicioso no qual o crime é reciclado, aperfeiçoado e justificado pela clara dissonância entre as duas pontas do sistema criminal: polícia/MP x judiciário.

Fornecendo combustível para esta fogueira onde queima o cidadão submetido ao crime, está uma legislação frouxa, leniente, compassiva, anacrônica. Em meados dos anos 80, eu tive professores que já diziam: o criminoso é a criança mimada do século XX. Esta legislação tem poucas chances de mudar, considerando que ainda é alto o número de parlamentares envolvidos em processos criminais e que não têm nenhum interesse em legislar contra si mesmos.

O importante é que se tenha em mente que a atividade policial é um subprocesso integrante de um processo chamado “segurança pública”, o qual, por sua vez, integra o macroprocesso denominado “governar”. Neste raciocínio, os subprocessos (polícia, professores, psicólogos, assistentes sociais etc etc) devem atuar em conjunto, num feixe coeso de ações, possivelmente coordenados por uma secretaria ou ministério de integração próprio. Infelizmente, isto não ocorre na maioria dos países, inclusive o Brasil, e o entendimento sobre uma boa atividade policial fica limitado a “fazer operações e adquirir viaturas”, desconsiderando-se o resto (o complexo ser humano, por exemplo).

Se tivéssemos uma secretaria de integração de processos coordenando as ações, veríamos aumentar sua abrangência, deslocando-se para níveis regionais e municipais. Em nível regional, isto significa trazer para o centro das ações, das discussões e da responsabilidade pela segurança pública todos os atores chamados para tal fim. Uma agenda com prefeitos, vereadores, líderes comunitários, entre polícias civil e militar, juízes e parquet.

É um caminho longo, mas o primeiro passo tem que ser dado se queremos caminhar. Foi o que fiz durante seis anos na prática profissional, com pleno êxito.

Uma análise do painel de homicídios na região noroeste do Espírito Santo entre 20/01/2014 e 03/10/2019 mostra exatamente o que exponho, e deixa bem claro a evolução francamente positiva nos índices de criminalidade ao longo dos anos.

Não há lugar para ideologia, arrogância, falta de diálogo, politização e partidarização na segurança pública, que deve ser uma ação de estado, e não de governo. Enquanto boas obras deixarem de ser adotadas e continuadas por problemas de natureza política, nunca sairemos deste torvelinho. O que impediria um governante sucessor de adotar um Estado Presente, programa muito bem idealizado pelo estado do Espírito Santo, na continuidade de uma segurança pública melhor? Basta persistir no que está dando certo, não transferir profissionais de suas localizações com base em picuinhas políticas, desmontando todo um processo de trabalho, para se ter um melhor panorama.

Neste contexto exposto, a necropolítica de Achille Mbembe, por natureza desprovida de inovação e originalidade, tornou-se nada mais do que um instrumento político para impor uma visão protofascista de controle social por um estado manietado pela politização e ideologia, utilizando-se das ações e resultados na segurança pública como um dos veículos de afirmação deste controle, o que, é claro, só pode ser obtido através da distorção delirante do conceito de necropolítica.

   

[1] Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires – Argentina. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Especialista em Direito e Processo Penal. Delegado da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo. Graduado em Direito. Graduando em Segurança Pública. Graduando em Filosofia. Escritor. Pesquisador. Professor universitário de graduação em Direito, Ciências Políticas e de pós-graduação em Direito e em Gestão Pública.

 

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