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Governo de São Paulo não investe na sua polícia e enfraquece o combate à corrupção

por Editoria Delegados

Por Raquel Kobashi Gallinati Lombardi e Juliana Ribeiro

Raquel Kobashi Gallinati Lombardi, Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo
Juliana Ribeiro, Diretora do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo

A Polícia Civil de São Paulo, coirmã da Polícia Federal na tarefa de combater a corrupção, padece de enfraquecimento institucional sistemático há décadas, já que tem seus quadros envelhecidos, quase 14 mil cargos vagos, baixíssimos salários, além de contar com poucas delegacias especializadas na matéria.

No Estado temos apenas 4 delegacias que, dentre outras atribuições, realizam algum trabalho relacionado ao combate à corrupção, de maneira ampla: Delegacia de Facções e Lavagem de Dinheiro, Delegacia de Crimes contra a Fazenda, e duas delegacias de Crimes contra a Administração.

Apesar de terem atribuição de combater a corrupção, essas delegacias não são especializadas no combate à corrupção de agentes públicos, e na lavagem de dinheiro decorrente dessa atividade criminosa. Elas atuam simultaneamente, por exemplo, em relação à corrupção praticada por integrantes de facções criminosas, que corrompem funcionários para praticarem seus crimes com facilidade; ou funcionários públicos, que eventualmente desviam algum material.

Os policiais civis dessas delegacias, ainda que intencionem ajudar a sociedade paulista por meio da identificação e prisão de grandes corruptos e da recuperação de verbas desviadas, dedicam-se simultaneamente a inúmeros inquéritos policiais com temáticas diferentes.

 

Em fevereiro de 2020, o governo implantou os DEICs (Divisão Especializada de Investigação Criminal), em todas as regiões do estado, por meio do Decreto 64.809/20. Extinguiu setores de investigações criminais já existentes e reagrupou esses mesmos policiais e materiais nesses ‘deics’. A partir dessa nova nomenclatura, os departamentos passaram a organizar: 1 Delegacia de Investigações Gerais, com 3 equipes e um setor de combate à corrupção e lavagem de dinheiro (Seccold); 2 Delegacia de Investigação de Entorpecente, com 3 equipes; 3 Delegacia de Investigação de Homicídios, com 3 equipes; um grupo operacional.

A Delegacia de Investigações Gerais, que compõe os conhecidos ‘mini deics’, é a única dessa nova estrutura que apresenta um setor direcionado à corrupção. Mas, com base no decreto, é apenas um setor de uma delegacia, sequer com status de equipe.

Ou seja, esses setores podem ser compostos por apenas um escrivão, ou um investigador, já que sequer são configurados como ‘equipe’.

Ademais, o decreto que criou o setor não previu expressamente especialização de combate à corrupção de agentes públicos e da lavagem de capitais dela decorrente.

Ao contrário, de acordo com o decreto, a delegacia que engloba o setor de combate à corrupção deve também, simultaneamente: cadastrar vigilantes particulares e cadastrar e fiscalizar desmanches de veículos.

Ou seja, aquele policial que rastreia o caminho de uma verba pública desviada, em razão da falta de policiais civis e de não dispor de todo o aparato necessário para suas investigações, está vulnerável a adjetas ingerências.

Por exemplo, ele pode estar exposto a priorizar a função de cadastramento de vigilantes noturnos, em detrimento do rastreio do dinheiro, pois essas duas tarefas são realizadas pela mesma delegacia, segundo o decreto do governo.

A equivocada política de segurança na seara de combate à corrupção do Governo de São Paulo desrespeita normas internacionais, como a Convenção de Mérida, o Ministério da Justiça e as orientações de organismos internacionais.

A Convenção Internacional de Mérida, da qual o Brasil é signatário, segundo o Decreto 5687, no Artigo 36, indica a necessidade de especialização dos profissionais destinados à investigação de corrupção:

“Autoridades especializadas – Cada Estado Parte, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, se certificará de que dispõe de um ou mais órgãos ou pessoas especializadas na luta contra a corrupção mediante a aplicação coercitiva da lei. Esse(s) órgão(s) ou essa(s) pessoa(s) gozarão da independência necessária, conforme os princípios fundamentais do ordenamento jurídico do Estado Parte, para que possam desempenhar suas funções com eficácia e sem pressões indevidas.”

O Ministério da Justiça criou um fundo com o objetivo de financiar as atividades de Segurança Pública dos Estados. Assim, por meio da Portaria 631/19 – MJ, condiciona o recebimento de valor do Fundo Nacional de Segurança a alguns requisitos, dentre eles a implantação de delegacia especializada no combate à corrupção.  Atendendo as diretrizes internacionais, o Ministério da Justiça indica a necessidade de proteção normativa da unidade, ou seja, que sua organização e atuação sejam previstas em lei ou decreto e, principalmente, que a delegacia tenha o combate à corrupção e lavagem de dinheiro dela decorrente como única atribuição.

O GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional), do qual o Brasil é integrante e tem sua permanência em análise, apresenta inúmeras recomendações para a organização das estruturas de combate à corrupção e lavagem de capitais dela decorrente. Segundo as recomendações 30, 31, 33, 36, em resumo, a unidade deve ser especializada, deve-se combater também a lavagem de dinheiro proveniente dessa corrupção, e, ainda, deve-se promover estatísticas disso tudo, incluindo das investigações dessa natureza e do bloqueio de bens.

São Paulo, portanto, vem caminhando na contramão, e a criação dos ‘mini Deics’, em fevereiro de 2020, já durante a vigência da Portaria 631/19 – MJ, contraria todas as normativas referentes ao combate à corrupção de agentes públicos.

Inexistindo a delegacia especializada no combate a corrupção, o Governo de São Paulo deixa desprotegidos os cofres públicos de três formas: os corruptos desviam recursos públicos; a Polícia Civil deixa de recuperar ativos desviados (inclusive aqueles ocultos no exterior); rejeita parte da verba referente a esse critério do Fundo Nacional de Segurança.

Quantos inquéritos policiais estão em andamento para investigar a corrupção praticada por agentes públicos em São Paulo? Quantos políticos, em cargos eletivos, foram presos por corrupção? Qual montante desviado foi recuperado para os cofres públicos? Quantos casos de cooperação jurídica internacional para repatriar recursos a Polícia Civil de SP realizou?

Verifica-se que essas perguntas não podem ser respondidas com os dados sobre inquéritos policiais que versam sobre corrupção, crime previsto nos artigos 317 e 333 do Código Penal, por exemplo, pois, tal como acima mencionado, tais investigações podem se referir a diversos graus e tipos de corrupção e diversos tipos de autores.

Impossível continuar a aguardar as ações e operações da Polícia Federal ou o Ministério Público Federal para fiscalizar, punir e prender os corruptos paulistas.

O Governo de São Paulo tem o dever legal e moral de prover a Polícia Civil de estrutura para combater a corrupção no âmbito estadual.

Em tempos de dificuldades econômicas, evitar desvio de verbas, repatriar recursos ocultos e receber o completo valor do Governo Federal deveriam ser prioridades para o Governo do Estado de São Paulo.

 

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