Início » Contravenção de vias de fato na violência doméstica à luz do STJ e STF

Contravenção de vias de fato na violência doméstica à luz do STJ e STF

por Editoria Delegados

Por Joaquim Leitão Júnior

Título original: A contravenção penal de vias de fatos no âmbito da violência doméstica à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça/Supremo Tribunal Federal

Por Joaquim Leitão Júnior, delegado de Polícia Civil

 

Muito se debate em sede policial e jurídica se a contravenção penal de vias de fatos, no âmbito da violência doméstica, seria autuada por Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) ou se seria autuada por Auto de Prisão em Flagrante Delito (e até mesmo por Portaria, para o nascedouro do Inquérito Policial).

A discussão se dá principalmente, por conta da redação do art. 41, da Lei 11.340/20106 (Lei Maria da Penha) que enuncia quanto aos “crimes praticados” com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Nesse ponto, veja a redação do art. 41, da Lei 11.340/20106 (Lei Maria da Penha):


“Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995”.

 

Nota-se que o legislador ordinário aventou, expressamente, apenas e tão somente a expressão“crimes”,deixando de fora a terminologiacontravenção[1].

Apesar de se entender imensamente questionável, com todo respeito, à atuação com ativismo do Superior Tribunal de Justiça no esforço interpretativo de algo não previsto expressamente pelo legislador pátrio em lei, com alargamento em norma penal incriminadora (não permitida pelas regras hermenêuticas em âmbito penal), a Corte Superior entendeu que a expressão crime deveria abranger a contravenção penal de vias de fato.

Sempre discutindo respeitosamente, pensa-se que a interpretação do colendo Superior Tribunal de Justiça seria estritamente técnica sob rigor formal, nesse perspectiva, apenas se a lei em comento tivesse abordado expressamente “infração penal” ou tivesse abordado expressamente “crimes e contravenções penais”.

Do contrário, é temerário e inaceitável o alargamento em norma penal incriminadora (não permitido pelas regras hermenêuticas em âmbito penal), porque acaba por via oblíqua ou transversa, o Poder Judiciário agir como verdadeiro legislador positivo, criando-se normas ou tipos incriminadores com expansão de incidência penal, em que essa tarefa cabe, constitucionalmente, apenas ao Poder Legislativo. Assim, a expressão “crime” pela lei deveria se limitar tão somente a isto, alicerçado ao fato de que não existem palavras inúteis no texto da lei e no silêncio eloquente do legislador.

Todavia, abranger nesse processo interpretativo à contravenção penal de vias de fato, sem ser por via legislativa, mas por decisão judicial, indica com todo respeito, uma possível desobediência ao princípio da legalidade (art. 5º, inciso I, CF/88) e princípio da reserva legal, onde apenas lei é que pode criar crime e cominar pena.

Com a “permissa vênia”, não se posiciona contra o ativismo judicial que é bem-vindo nas mais diversas áreas do Direito e nem se faz discurso machista com ignorância a todo histórico e contexto de violência familiar e doméstica, contudo, em âmbito criminal o ativismo judicial parece não ter espaço.

De qualquer forma, a contravenção penal de vias de fatos, no âmbito da violência doméstica, à luz da jurisprudência do STJ, teve afastado a incidência da Lei 9.099/1995.

Assim, o que isso implica em termos práticos?

Em julgado da Sexta Turma, um homem denunciado pela suposta prática de contravenções penais porque teria praticado vias de fato contra sua ex-companheira, bem como perturbado a sua tranquilidade, entendia ser cabível a transação penal ao seu caso, em razão de o artigo 41 da Lei Maria da Penha vedar a incidência da Lei 9.099 apenas em relação aos crimes e não às contravenções penais.

O colegiado, entretanto, destacou que, apesar de o artigo 41 da lei Maria da Penha fazer referência apenas a “crimes”, a orientação do STJ é de que não se aplicam os institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995 a nenhuma prática delituosa contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, ainda que configure contravenção penal.

O relator, ministro Rogerio Schietti, reconheceu que uma interpretação literal do artigo 41 poderia levar à conclusão de que a Lei 9.099 poderia ser aplicada às contravenções penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher, mas, segundo ele, os fins sociais da Lei Maria da Penha impedem essa conclusão (STJ –HC 280.788).

“À luz da finalidade última da norma e do enfoque da ordem jurídico-constitucional, tenho que, considerados os fins sociais a que a lei se destina, o preceito afasta a Lei 9.099, de forma categórica, tanto aos crimes quanto às contravenções penais praticados contra mulheres no âmbito doméstico e familiar”, concluiu o relator.

 

A propósito, confira-se a ementa do julgado pela Corte Cidadã:

 

“EMENTA

HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. LEI MARIA DA PENHA. CONTRAVENÇÃO PENAL. TRANSAÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. MANIFESTO CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.

  1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do (a) paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.
  2. Uma interpretação literal do do disposto no artigo 41da Lei n. 11.340⁄2006 viabilizaria, em apressado olhar, a conclusão de que os institutos despenalizadores da Lei n. 9.099⁄1995, entre eles a transação penal, seriam aplicáveis às contravenções penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher.
  3. À luz da finalidade última da norma e do enfoque da ordem jurídico-constitucional, tem-se que, considerados os fins sociais a que a lei se destina, o artigo 41da Lei n. 11.340⁄2006 afasta a incidência da Lei n. 9.099⁄1995, de forma categórica, tanto aos crimes quanto às contravenções penais praticados contra mulheres no âmbito doméstico e familiar. Vale dizer, a mens legisdo disposto no referido preceito não poderia ser outra, senão a de alcançar também as contravenções penais.
  4. Uma vez que o paciente está sendo acusado da prática, em tese, de vias de fato e de perturbação da tranquilidade de sua ex-companheira, com quem manteve vínculo afetivo por cerca de oito anos, não há nenhuma ilegalidade manifesta no ponto em que se entendeu que não seria aplicável o benefício da transação penal em seu favor.
  5. Habeas corpus não conhecido”(STJ – HABEAS CORPUS Nº 280.788 – RS (2013⁄0359552-9).

 

Ademais, quando do julgamento do HC n. 196.253⁄MS (DJe 31⁄5⁄2013), de relatoria do Ministro Og Fernandes, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça afirmou “serem inaplicáveis aos crimes e às contravenções penais regulados pela Lei Maria da Penha, os institutos despenalizadores da Lei n. 9.099⁄95, por expressa vedação legal”.

Os argumentos utilizados para se chegar nesta interpretação, por mais nobres e aparentemente legítimos para se corrigir atrocidades na violência de gênero (e o machismo) histórica, devem ser considerados no mínimo preocupantes e perigosos por enveredar em caminhos não técnicos em Direito Penal. Os respeitosos argumentos desta corrente, centram numa abordagem das disposições previstas no Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal, no sentido de que a família, base da sociedade, merece especial proteção do Estado, o legislador ordinário editou, em 7.8.2006, a Lei n.11.340⁄2006, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do artigo 226 da Constituição da República, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

 

Outro argumento é de que o artigo  e artigo 10 da Lei n. 11.340⁄2006 disciplina, de maneira clara, o objetivo da Lei Maria da Penha, que foi, precipuamente, o de criar mecanismos capazes de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Neste sentido, é o artigo 10, da apontada Lei:

 

“Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar”.

 

Assim, para essa linha de entendimento, com o fim especial de dar concretude ao texto constitucional e aos tratados e convenções internacionais de erradicação de todas as formas de violência contra a mulher, deve ser realizada uma leitura ampliativa do texto (art. 41, da Lei Maria da Penha), com propósito de mitigar e reduzir, tanto quanto possível, a violência doméstica e familiar contra a mulher (não só a violência física, mas também a psicológica, a sexual, a patrimonial, a social, a moral). Para essa corrente, a verdadeira essência do princípio da igualdade: tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, de modo que uma interpretação literal do dispositivo mencionado viabilizaria, em apressado olhar, a conclusão de que os institutos despenalizadores da Lei n. 9.099⁄1995, entre eles a transação penal, seriam aplicáveis às contravenções penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher – o que não seria verdade para essa corrente.

 

Essa linha doutrinária continua a fundamentar seu ponto de vista, lançando-se do argumento de que a finalidade última da norma e do enfoque da ordem jurídico-constitucional, com a consideração dos fins sociais a que a lei se destina, o preceito afasta a Lei n. 9.099⁄1995, de forma categórica, tanto aos crimes quanto às contravenções penais praticados contra mulheres no âmbito doméstico e familiar, valendo dizer, que a mens legis do dispositivo citado não poderia ser outra, senão a de alcançar também as contravenções penais.

 

Dando prosseguimento a essa linha de entendimento, o próprio disposto no artigo 4º reafirmaria nessa visão, a necessidade de se observar os fins sociais a que se destina essa lei, em especial as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. A propósito, confira-se:

 

“Art. 4º Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar”.

 

Esse também foi o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do HC n. 106.212⁄MS (DJ 13⁄6⁄2011), de relatoria do Ministro Marco Aurélio, em que se adotou o posicionamento no sentido de que o artigo 41 seria aplicado aos crimes e às contravenções penais praticadas no âmbito de violência doméstica e familiar. Analise-se a ementa do julgado:

 

“VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – ARTIGO 41 DA LEI Nº 11.340⁄06 – ALCANCE.

O preceito do artigo 41 da Lei nº 11.340⁄06 alcança toda e qualquer prática delituosa contra a mulher, até mesmo quando consubstancia contravenção penal, como é a relativa a vias de fato.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – ARTIGO 41 DA LEI Nº 11.340⁄06 – AFASTAMENTO DA LEI Nº 9.099⁄95 –CONSTITUCIONALIDADE.

Ante a opção político-normativa prevista no artigo 98, inciso I, e a proteção versada no artigo 226§ 8º, ambos daConstituição Federal, surge harmônico com esta última o afastamento peremptório da Lei nº 9.099⁄95 – mediante o artigo 41 da Lei nº 11.340⁄06 – no processo-crime a revelar violência contra a mulher.

Isso porque, segundo o disposto no artigo 226, § 8º, da Constituição Federal, “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (STF – HC n. 106.212⁄MS (DJ 13⁄6⁄2011), Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 24⁄03⁄2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-112 DIVULG 10-06-2011 PUBLIC 13-06-2011 RTJ VOL-00219- PP-00521 RT v. 100, n. 910, 2011, p. 307-327). 

Com isto, a conclusão inarredável em termos práticos, é de quea contravenção penal de vias de fatos no âmbito da violência doméstica à luz da jurisprudência do STJ (e até mesmo do STF)deve ser autuada por Auto de Prisão em Flagrante Delito (e até mesmo por Portaria para o nascedouro do inquérito policial – e não autuada por Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO).

Nesse ponto, alerta-se que de qualquer forma, que o caminho para se corrigir os equívocos em decorrência da omissão do legislador e pontos da violência de gênero e doméstica, no âmbito incriminador e de incidência legal, é a lei e a educação. Repita-se mais uma vez: não se posiciona em desfavor do ativismo judicial que é bem-vindo nas mais diversas áreas do Direito, contudo, em âmbito criminal o ativismo judicial parece não ter espaço.

Retomando o cerne do debate, diga-se de passagem que,  o Supremo ao afirmar que a ação penal seria pública incondicionada nos casos de lesões corporais leves e culposas tão somente à mulher em âmbito doméstico foi categórico:

“Entendeu-se não ser aplicável aos crimes glosados pela lei discutida o que disposto na Lei 9.099/95, de maneira que, em se tratando de lesões corporais, mesmo que de natureza leve ou culposa, praticadas contra a mulher em âmbito doméstico, a ação penal cabível seria pública incondicionada. Acentuou-se, entretanto, permanecer a necessidade de representação para crimes dispostos em leis diversas da 9.099/95, como o de ameaça e os cometidos contra a dignidade sexual. Consignou-se que o Tribunal, ao julgar o HC 106212/MS (DJe de 13.6.2011), declarara, em processo subjetivo, a constitucionalidade do art. 41 da Lei 11.340/2006, no que afastaria a aplicação da Lei dos Juizados Especiais relativamente aos crimes cometidos com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista.”

Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, nesta quinta-feira (24), a constitucionalidade do artigo 41 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que afastou a aplicação do artigo 89 da Lei nº 9.099/95 quanto aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, tornando impossível a aplicação dos institutos despenalizadores nela previstos, como a suspensão condicional do processo”.

A decisão foi tomada, como já dito, no  julgamento do Habeas Corpus (HC) 106212[2][3],

No pano de fundo desta decisão, se tem que, ao apontar pela constitucionalidade do art. 41, da Lei Maria da Penha (que cinge apenas a expressão “crime”), acabou o intérprete, por meio das Cortes Superiores, indo além para instituir, via judicial, a abrangência da contravenção penal de vias de fato – ao arrepio da lei propriamente dita.

Obviamente que, a contravenção de vias de fato apesar de se aproximar da lesão corporal leve ou culposa, não pode ser equiparada e tratada com a mesma igualdada para os fins legais de forma técnica.

Os argumentos utilizados para se chegar nesta interpretação, por mais nobres que sejam e “aparentemente legítimos” para se corrigir atrocidades na violência de gênero (e o machismo) histórica, devem ser considerados no mínimo preocupantes e perigosos por enveredar em caminhos não técnicos em Direito Penal.

Mesmo em tempo de que apenas se prestigia o discurso do politicamente (in)correto, registra-se que, o caminho para se corrigir os equívocos, em decorrência da omissão do legislador e para se imprimir repressão e combate da violência de gênero e doméstica, no âmbito incriminador e de incidência legal na esfera-criminal, deve passar pelo crivo da lei e a educação.

Conclusão

Apesar de ser temerário e inaceitável o alargamento em norma penal incriminadora (não permitido), porque acaba por via oblíqua ou transversa, o Poder Judiciário criar normas ou tipos incriminadores em que essa tarefa cabe apenas ao Poder Legislativo, e de entender que a expressão crime deveria abranger expressamente a contravenção penal de vias de fato, por via legislativa, e, não por decisão judicial com todo respeito, em obediência ao princípio da legalidade (art. 5º, inciso I, CF/88) e princípio da reserva legal, onde apenas lei é que pode criar crime e cominar pena, a contravenção penal de vias de fatos no âmbito da violência doméstica à luz da jurisprudência do STJ (e até mesmo do STF)deve ser autuada por Auto de Prisão em Flagrante Delito (e até mesmo por Portaria para o nascedouro do inquérito policial – e não autuada por Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO).

 

Referências Bibliográficas:

 

STF declara constitucionalidade do artigo 41 da Lei Maria da Penha. Disponível em:<<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=175260>> . Acesso em 26 de março de 2018.

 

Brasil. Supremo Tribunal Federal – HC n. 106.212⁄MS (DJ 13⁄6⁄2011), Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 24⁄03⁄2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-112 DIVULG 10-06-2011 PUBLIC 13-06-2011 RTJ VOL-00219- PP-00521 RT v. 100, n. 910, 2011, p. 307-327.

 

Superior Tribunal de Justiça. HABEAS CORPUSnº. 196.253⁄MS (DJe 31⁄5⁄2013), de relatoria do Ministro Og Fernandes. Sexta Turma.

 

Superior Tribunal de Justiça. – HABEAS CORPUS Nº 280.788 – RS (2013⁄0359552-9)Relator: Rogerio Schietti.

 

[1]Lembrando sempre da máxima de que não existe palavra inútil do texto da lei.

[2][2]Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, nesta quinta-feira (24), a constitucionalidade do artigo 41 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que afastou a aplicação do artigo 89 da Lei nº 9.099/95 quanto aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, tornando impossível a aplicação dos institutos despenalizadores nela previstos, como a suspensão condicional do processo.

A decisão foi tomada no  julgamento do Habeas Corpus (HC) 106212, em que Cedenir Balbe Bertolini, condenado pela Justiça de Mato Grosso do Sul à pena restritiva de liberdade de 15 dias, convertida em pena alternativa de prestação de serviços à comunidade, contestava essa condenação. Cedenir foi punido com base no artigo 21 da Lei 3.688 (Lei das Contravenções Penais), acusado de ter desferido tapas e empurrões em sua companheira. Antes do STF, a defesa havia apelado, sucessivamente, sem sucesso, ao Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul (TJ-MS) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No HC, que questionava a última dessas decisões (do STJ), a Defensoria Pública da União (DPU), que atuou em favor de Cedenir no julgamento desta tarde, alegou que o artigo 41 da Lei Maria da Penha seria inconstitucional, pois ofenderia o artigo 89 da Lei 9.099/95.

Esse dispositivo permite ao Ministério Público pedir a suspensão do processo, por dois a quatro anos, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime.

A DPU alegou, também, incompetência do juízo que condenou Cedenir, pois, em se tratando de infração de menor poder ofensivo, a competência para seu julgamento caberia a um juizado criminal especial, conforme previsto no artigo 98 da Constituição Federal (CF), e não a juizado especial da mulher.

Decisão

Todos os ministros presentes à sessão de hoje do Plenário – à qual esteve presente, também, a titular da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Iriny Lopes – acompanharam o voto do relator, ministro Marco Aurélio, pela denegação do HC.

Segundo o ministro Marco Aurélio, a constitucionalidade do artigo 41 dá concretude, entre outros, ao artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal (CF), que dispõe que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

O ministro disse que o dispositivo se coaduna com o que propunha Ruy Barbosa, segundo o qual a regra de igualdade é tratar desigualmente os desiguais. Isto porque a mulher, ao sofrer violência no lar, encontra-se em situação desigual perante o homem.

Ele descartou, também, o argumento de que o juízo competente para julgar Cedenir seria um juizado criminal especial, em virtude da baixa ofensividade do delito. Os ministros apontaram que a violência contra a mulher é grave, pois não se limita apenas ao aspecto físico, mas também ao seu estado psíquico e emocional, que ficam gravemente abalados quando ela é vítima de violência, com consequências muitas vezes indeléveis.

Votos

Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Luiz Fux disse que os juizados especiais da mulher têm maior agilidade nos julgamentos e permitem aprofundar as investigações dos agressores domésticos, valendo-se, inclusive, da oitiva de testemunhas.

Por seu turno, o ministro Dias Toffoli lembrou da desigualdade histórica que a mulher vem sofrendo em relação ao homem. Tanto que, até 1830, o direito penal brasileiro chegava a permitir ao marido matar a mulher, quando a encontrasse em flagrante adultério. Entretanto, conforme lembrou, o direito brasileiro vem evoluindo e encontrou seu ápice na Constituição de 1988, que assegurou em seu texto a igualdade entre homem e mulher.

Entretanto, segundo ele, é preciso que haja ações afirmativas para que a lei formal se transforme em lei material. Por isso, ele defendeu a inserção diária, nos meios de comunicação, de mensagens afirmativas contra a violência da mulher e de fortalecimento da família.

No mesmo sentido votou também a ministra Cármen Lúcia, lembrando que a violência que a mulher sofre em casa afeta sua psique (autoestima) e sua dignidade. “Direito não combate preconceito, mas sua manifestação”, disse ela. “Mesmo contra nós há preconceito”, observou ela, referindo-se, além dela, à ministra Ellen Gracie e à vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat. E esse preconceito, segundo ela, se manifesta, por exemplo, quando um carro dirigido por um homem emparelha com o carro oficial em que elas se encontrem, quando um espantado olhar descobre que a passageira do carro oficial é mulher.

“A vergonha e o medo são a maior afronta aos princípios da dignidade humana, porque nós temos que nos reconstruir cotidianamente em face disto”, concluiu ela.

Também com o relator votaram os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e o presidente da Corte, ministro Cezar Peluso. Todos eles endossaram o princípio do tratamento desigual às mulheres, em face de sua histórica desigualdade perante os homens dentro do lar.

O ministro Ricardo Lewandowski disse que o legislador, ao votar o artigo 41 da Lei Maria da Penha, disse claramente que o crime de violência doméstica contra a mulher é de maior poder ofensivo. Por seu turno, o ministro Joaquim Barbosa concordou com o argumento de que a Lei Maria da Penha buscou proteger e fomentar o desenvolvimento do núcleo familiar sem violência, sem submissão da mulher, contribuindo para restituir sua liberdade, assim acabando com o poder patriarcal do homem em casa.

O ministro Ayres Britto definiu como “constitucionalismo fraterno” a filosofia de remoção de preconceitos contida na Constituição Federal de 1988, citando os artigos  3º e 5º da CF.  E o ministro Gilmar Mendes, ao também votar com o relator, considerou “legítimo este experimento institucional”, representado pela Lei Maria da Penha. Segundo ele, a violência doméstica contra a mulher “decorre de deplorável situação de domínio”, provocada, geralmente, pela dependência econômica da mulher.

A ministra Ellen Gracie lembrou que a Lei Maria da Penha foi editada quando ela presidia o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ensejou um impulso ao estabelecimento de juizados especiais da mulher.

Em seu voto, o ministro Cezar Peluso disse que o artigo 98 da Constituição, ao definir a competência dos juizados especiais, não definiu o que sejam infrações penais com menor poder ofensivo. Portanto, segundo ele, lei infraconstitucional está autorizada a definir o que seja tal infração.

[3]O ministro Marco Aurélio, na ocasião aduziu que a constitucionalidade do artigo 41 dá concretude, entre outros, ao artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal (CF), que dispõe que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

O ministro disse que o dispositivo se coaduna com o que propunha Ruy Barbosa, segundo o qual a regra de igualdade é tratar desigualmente os desiguais. Isto porque a mulher, ao sofrer violência no lar, encontra-se em situação desigual perante o homem.

Na oportunidade deste julgamento, o ministro Marco Aurélio descartou, também, o argumento de que o juízo competente para julgar o paciente seria um juizado criminal especial, em virtude da baixa ofensividade do delito. Os ministros apontaram que a violência contra a mulher é grave, pois não se limita apenas ao aspecto físico, mas também ao seu estado psíquico e emocional, que ficam gravemente abalados quando ela é vítima de violência, com consequências muitas vezes indeléveis.

Foi pontuado também a desigualdade histórica que a mulher vem sofrendo em relação ao homem, como argumento. Tanto que, até 1830, o direito penal brasileiro chegava a permitir ao marido matar a mulher, quando a encontrasse em flagrante adultério.

 

Entretanto, conforme lembrou, o direito brasileiro vem evoluindo e encontrou seu ápice na Constituição de 1988, que assegurou em seu texto a igualdade entre homem e mulher. Abordou também que, é preciso que haja ações afirmativas para que a lei formal se transforme em lei material. Por isso, ele defendeu a inserção diária, nos meios de comunicação, de mensagens afirmativas contra a violência da mulher e de fortalecimento da família.

 

O princípio do tratamento desigual às mulheres foi empregado neste julgamento, em face de sua histórica desigualdade perante os homens dentro do lar.

 

O ministro Ricardo Lewandowski disse que o legislador, ao votar o artigo 41 da Lei Maria da Penha, disse claramente que o crime de violência doméstica contra a mulher é de maior poder ofensivo.

 

Por seu turno, nesta linha, o ministro Joaquim Barbosa concordou com o argumento de que a Lei Maria da Penha buscou proteger e fomentar o desenvolvimento do núcleo familiar sem violência, sem submissão da mulher, contribuindo para restituir sua liberdade, assim acabando com o poder patriarcal do homem em casa.

 

O ministro Ayres Britto definiu como “constitucionalismo fraterno” a filosofia de remoção de preconceitos contida na Constituição Federal de 1988, citando os artigos  3º e 5º da CF. 

 

Dando sequência, o ministro Gilmar Mendes, ao também votar com o relator, considerou “legítimo este experimento institucional”, representado pela Lei Maria da Penha, sublinhando que a violência doméstica contra a mulher “decorre de deplorável situação de domínio”, provocada, geralmente, pela dependência econômica da mulher.

 

A ministra aposentada Ellen Gracie lembrou que a Lei Maria da Penha foi editada quando ela presidia o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ensejou um impulso ao estabelecimento de juizados especiais da mulher.

 

Em seu voto, o ministro Cezar Peluso disse que o artigo 98 da Constituição, ao definir a competência dos juizados especiais, não definiu o que sejam infrações penais com menor poder ofensivo. Portanto, segundo o aludido ministro, a lei infraconstitucional está autorizada a definir o que seja tal infração.

 

Sobre o autor

 

Joaquim Leitão Júnior é delegado de Polícia Civil e componente do Rol dos Melhores Delegados de Polícia do Brasil em 2017.

DELEGADOS.com.br
Portal Nacional dos Delegados & Revista da Defesa Social

 

você pode gostar